Mikhail Botvinnik "Não tem sentido memorizar simplesmente as variantes das aberturas, e sim é preciso aplicar os princípios fundamentais às posições. Em muitos casos, jogar com a memorização é pior que não ter lido nenhum livro".
Um problema sério de todo jogador é o estudo e prática das aberturas numa partida e não existe conselho óbvio e de sucesso para todos. Tentarei aqui apresentar um pouco das minhas idéias a respeito do assunto. Recomendo aos meus alunos que estudem aberturas que eles não jogam com freqüência ou uso estas aberturas nas aulas. Parece uma bobagem isso, se levarmos em conta que a maioria de nós jogadores conhecemos pouco de uma só abertura (ou não entendemos nem a dominamos bem). Minha idéia é a de que é necessário aumentar a cultura geral do jogador e lhe deixar apto a se virar por conta própria em qualquer situação. È claro que precisamos conhecer mais das aberturas do nosso repertório. Aconselho a tentar entender as aberturas diferentes, nem que não as joguemos em torneios. Este conselho parece dificultar mais ainda o difícil trabalho de se estudar aberturas, pois aumenta em quantidade o material a ser estudado assim como o tempo de estudo.
Tempos atrás, antes da Internet e das atuais ferramentas da tecnologia digital, o trabalho era em cima de livros e revistas. Hoje em dia existe muito material disponível, o que ajuda muito, mas que dá mais trabalho e assusta quem começa a estudar. É fundamental saber selecionar a qualidade do material a ser estudado e priorizar o que cada jogador necessita.
Recomendo pedir ajuda a algum amigo mais forte, ou mais experiente, ou a um treinador. Acredito que, com o andar do trabalho, acostuma-se com as dificuldades e é possível estudar bem as aberturas sem auxílio de terceiros. Sendo mais objetivo, mostrarei aqui uma aula que passei a meus alunos recentemente, sobre uma situação da Abertura Inglesa logo nos primeiros lances.
Como de costume, antes de mostrar uma partida, procuro explicar a idéia geral da abertura e as possibilidades de cada uma das peças e da estrutura de peões. Neste processo, é essencial DIFERENCIAR e COMPARAR a abertura em questão das outras que o aluno conhece. Essa ótica permite transformar o desconhecido em algo digerível e racional, em vez de meros lances teóricos. Abaixo segue pequena introdução sobre a Abertura Inglesa:
Mais do que uma simples opção aos preferidos 1.e4 e 1.d4 ou para causar surpresa ou ainda atuar como ferramenta de transposição para aberturas de PD, a Inglesa tem vida própria. Pautada pela Flexibilidade tanto na estratégia como no desenvolvimento, a Inglesa busca o controle do centro à distância estruturada no esqueleto 1.c4 2.Cc3 3.g3 4.Bg2, às vezes altera-se a ordem destas jogadas ou incluímos Cf3 ou d4 logo no início deixando o fianqueto g2 de lado em troca de domínio central direto.
Um dos cuidados básicos que o condutor das brancas deve ter é evitar a sistematização de seu desenvolvimento, utilizando sempre a mesma configuração das peças não se importando com o que as pretas façam. O grande segredo abertura Inglesa é a flexibilidade para adapta-se de acordo com a disposição de peças das pretas. Não vale a pena desperdiçar este potencial decidindo de antemão como as brancas irão se comportar.
Outra faceta da abertura é sua similaridade com a Defesa Siciliana (utilizada pelas pretas contra 1.e4). Mas, na prática, devemos esquecer das aparências e tratá-las de acordo com seus diferentes objetivos.
A Siciliana é utilizada como arma de contra-ataque, cedendo espaço, iniciativa e desenvolvimento ao branco, em troca de estrutura mais sólida (que gera dividendos somente no final, se conseguir chegar até lá) e partida aguda visto que as brancas geralmente são compelidas a atacar sob risco de perder a iniciativa. Neste processo de ataque, as brancas deixam espaços vulneráveis em seu campo, avançam peões do próprio roque e podem sacrificar algum material.
A Inglesa dever ser utilizada para o domínio de espaço, casas, linhas e colunas, sendo sempre observado o dinamismo da partida, o equilíbrio da iniciativa e velocidade de apresentação das forças na luta. Para isto utiliza-se de sólida estrutura de peões, podendo ás vezes até passar um pouco da iniciativa (vantagem temporária) para as pretas, mas sempre em troca de alguma vantagem mais duradoura (melhor estrutura, par de bispos em posição promissora, domínio de casas importantes, vantagem incontestável em algum setor do tabuleiro, etc.).
Além da estrutura Siciliana, a Inglesa muitas vezes transforma-se em outras aberturas jogadas originalmente com as peças pretas (Grunfeld, Benoni, Índia do Rei, Siciliana), mas com uma jogada de vantagem. Em alguns casos, isto pode ser uma vantagem real e em outros, apenas uma ilusão. Diferenciar estas situações é uma meta importante para as brancas.
Um dos objetivos das brancas ao jogar a Inglesa é atrapalhar as intenções de certos tipos de jogadores especialistas em alguns sistemas de jogo. Por exemplo:
- jogador X sempre usa Grunfeld contra 1.d4 e provavelmente montará um esquema similar contra a Inglesa, mas sem o mesmo efeito, pois a idéia básica das pretas na Grunfeld é atacar o centro branco. Na Inglesa, as brancas podem evitar o lance d4 e esfriar os ânimos da Grunfeld.
- jogador Y Joga sempre a defesa Holandesa contra PD. Contra a Inglesa, a Holandesa sofrerá, pois não terá o controle da casa e4 (brancas podem jogar d3), e as brancas ainda podem elas mesmas promover a ruptura e4.
Mas um dos pontos mais importantes da Abertura Inglesa é a luta estratégica e a definição de planos. Considerando-a flexível e de pouco contato direto entre as peças, a definição do que fazer em cada posição da abertura muitas vezes depende da ordem das jogadas feitas pelo adversário. Neste sentido, o "não fazer" muitas vezes é essencial na Inglesa, para "não dar informação" ao adversário. Obviamente este "não fazer" não deve ser interpretado com "nada fazer", e sim como "postergar algumas decisões" (como onde desenvolver o Cg1 ou qual peão central mover), executando lances de apoio (como a3, Tb1, d3).
Desenvolvimento A Flexibilidade acima citada é observada na decisão de desenvolvimento:
- Cg1: vai a f3 economicamente ou a e2 (gasta um lance com o peão E) quando buscar liberar o Bg2 pela grande diagonal.
- Peão de "d": geralmente d3, mas quando oportuno d4 direto;
- Peão de "e" (Se Cf3 permanece em e2 e se Cge2 vai a e3 ou e4 (Triângulo de Botvinnik) que enfraquece a própria casa d4, mas é consistente e sólido).
- Cb1 usualmente vai a Cc3, mas em algumas variantes mais próximas à abertura Reti com duplo fianqueto, ele pode ir a d2 para deixar aberta a diagonal do Bb2.
- Bc1 branco, a peça mais difícil para se encontrar utilidade na Inglesa. Este bispo será posicionado conforme a estrutura de peões de ambos. Só irá a f4 ou e3 se estas casas forem estáveis para ele, ou seja, não for incomodado por peões ou cavalos. Em geral, o bispo pode ir a g5 para lutar pela casa d5, b2 para pressionar o centro á distância; até a3 para pressionar c5, d6 e a Tf8 ou simplesmente em d2, onde não faz muita coisa além de unir as torres na primeira fila, além de defender o Cc3 do Bg7 preto em muitas variantes.
- A Dama branca e Torres dependem, logicamente igual a outras aberturas, da ruptura ou troca de peões ou peças para ganharem terreno seguro para avançar território.
- Cg1: vai a f3 economicamente ou a e2 (gasta um lance com o peão E) quando buscar liberar o Bg2 pela grande diagonal.
- Peão de "d": geralmente d3, mas quando oportuno d4 direto;
- Peão de "e" (Se Cf3 permanece em e2 e se Cge2 vai a e3 ou e4 (Triângulo de Botvinnik) que enfraquece a própria casa d4, mas é consistente e sólido).
- Cb1 usualmente vai a Cc3, mas em algumas variantes mais próximas à abertura Reti com duplo fianqueto, ele pode ir a d2 para deixar aberta a diagonal do Bb2.
- Bc1 branco, a peça mais difícil para se encontrar utilidade na Inglesa. Este bispo será posicionado conforme a estrutura de peões de ambos. Só irá a f4 ou e3 se estas casas forem estáveis para ele, ou seja, não for incomodado por peões ou cavalos. Em geral, o bispo pode ir a g5 para lutar pela casa d5, b2 para pressionar o centro á distância; até a3 para pressionar c5, d6 e a Tf8 ou simplesmente em d2, onde não faz muita coisa além de unir as torres na primeira fila, além de defender o Cc3 do Bg7 preto em muitas variantes.
- A Dama branca e Torres dependem, logicamente igual a outras aberturas, da ruptura ou troca de peões ou peças para ganharem terreno seguro para avançar território.
- Flexibilidade de rupturas:
- Ruptura d4 para desencadear ações no centro.
- Ruptura b4 para pressionar a ala da Dama apoiada pelo Bg2 e Tb1.
- Ruptura f4 para aumentar a pressão no centro junto a um possível Bb2 ou para conquistar espaço no centro e ala do rei junto a outro peão em e4.
- Ruptura d4 para desencadear ações no centro.
- Ruptura b4 para pressionar a ala da Dama apoiada pelo Bg2 e Tb1.
- Ruptura f4 para aumentar a pressão no centro junto a um possível Bb2 ou para conquistar espaço no centro e ala do rei junto a outro peão em e4.
As pretas possuem várias formações diferentes para enfrentar a Inglesa e aqui mostrarei uma delas.
Como poderá ser observado, tanto para as brancas como para as pretas, será possível escolher diferentes planos, logo o jogador que conhecer mais e DIFERENTES tipos de aberturas e estruturas de peões terá mais opções. Vejamos algumas alternativas iniciais contra a Inglesa e os primeiros lances:
*** 1.c4 c5 Benonis e Benkos 2.Cc3 Cc6 (2...Cf6 3.g3 d5 4.cxd5 Cxd5 5.Bg2 Cc7) 3.g3 g6 4.Bg2 Bg7 5.Cf3 Cf6 (5...e5 6.0–0 Cge7 7.d3 d6) 6.0–0 0–0 7.d4
*** 1...e6 Gambito Dama e Defesa Tarrasch 2.Cf3 d5;
*** 1...c6 Eslavas e Caro Kann (2.e4)
*** 1.c4 e5
A ordem de jogadas também é MUITO importante
2.g3 g6
a) Uma opção criativa seria 2...h5!? 3.Cf3 (3.h4 deixa g4 meio fraca, mas é possível.) 3...e4 4.Ch4 Be7 5.Cf5 d6 6.Cxe7 Dxe7 7.Cc3 Cf6 8.Bg2 h4;
b) 2...Cf6 3.Bg2 c6 Keres, similar a uma Siciliana Alapin;
c) 2...Cc6 normal
3.d4! exd4?!
(3...d6 Defesa Moderna 4.dxe5 dxe5 5.Dxd8+²)
4.Dxd4 Cf6 5.Cc3 Cc6 (5...Bg7 6.De5+) 6.De3+ Be7?! (¹6...De7) 7.Cd5! Cxd5 8.cxd5 Cb8 (8...Cb4 9.Dc3 f6 (9...0–0 10.Bh6) 10.e4) 9.d6! cxd6 10.Ch3 0–0 11.Dh6! Cc6 12.Cg5 Bxg5?! 13.Bxg5 f6 14.Bd2 b6 15.Bg2 Bb7 16.0–0 Larsen-Gheorghiu/Monte Carlo 1968 (38)
*** 1.c4 e5 2. Cc3 Cc6
[2...f5 Holandesa ou Siciliana Grand prix invertida 3.d4! exd4 4.Dxd4 Cc6 5.De3+ Be7 (5...De7 6.Cd5; 5...Cce7 6.b3 Cf6 7.Bb2 g6 8.Cd5) 6.Cd5;
2...Cf6 3.g3 c6 Keres ou Siciliana Alapin Invertida (3...Bb4 Smyslov ou Siciliana Rossolimo Invertida 4.Bg2 0–0 5.e4 e5 Bb4(5.Cf3)) 4.Cf3 (4.d4);
2...g6 3.g3 Bg7 4.Bg2 d6 5.Cf3 f5 6.0–0 Cf6 7.d3 c6 Siciliana Cerrada Invertida;
2...d6 3.g3 f5 4.Bg2 Cf6 5.Cf3 (5.e3 Cc6 (5...c6) ) 5...c6 (5...Cc6);
2...Bb4 pretas não se preocupam em ceder o par de bispos, em troca de desenvolvimento ou centro 3.g3 (3.Cd5 Be7 (3...Bc5))]
3.g3 [Novamente a ordem de jogadas pode fazer toda a diferença (3.Cf3 é possível e veremos mais adiante)3...g6 [3...Cf6 4.Bg2 Bc5 jogando siciliana invertida feijão com arroz, ou seja, este esquema agora é sólido...com cores invertidas (siciliana de brancas) seria passivo;
3...d6 4.Cf3 f5 5.d4! (aproveitando a oportunidade) e4 6.Cg5 h6 7.Ch3 g5 8.f3 batendo no centro]4.Bg2 Bg7 5.d3
[5.Cf3 linha mais jogada;
5.Tb1 flexível, aguardando mais acontecimentos para decidir onde desenvolver o Cg1;
5.e3 d6 6.Cge2 Be6 Hort variation, pretas querem o centro ou trocar bispos em h3, além de aguardar informação branca;
5.e4 Triângulo de Botvinnik d6 6.Cge2 Cge7 7.d3 olha a ordem de jogadas de novo...(7.0–0?! h5!? 8.h4 Cd4 ( 8...g5!? 9.hxg5 h4) 9.Cxd4? (9.d3) 9...exd4 10.Ce2 g5! 11.hxg5 d3! 12.Cf4 h4 13.Ch5 Bd4 14.Cf6+ (14.gxh4 Cg6) 14...Rf8 15.gxh4 Cg6 16.h5 Cf4 17.Df3 Ce2+ 18.Rh1 Bxf6 0–1 Franco-Akopian/Linares ESP 2001)]
5...d6 6.Tb1 f5 Com posição normal da Inglesa.
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