De 1995 a 2002 lecionei no Colégio Fafibe, em Bebedouro/SP. A escola implantou a modalidade xadrez na grade curricular e então convivia semanalmente com os alunos do ensino fundamental e médio ao visitar a instituição para ministrar as aulas.
Há três anos um fato curioso aconteceu. No primeiro dia de aula, ao entrar na sala da 1ª série do ensino fundamental, me deparei com uma linda loirinha, olhos castanhos, de nome Rebeca. Logo no primeiro contato observei que ela era diferente das demais crianças de sua turma, pois tinha uma profundidade e brilho no olhar cativantes.
Em conversa com sua mãe Ester, ela me revelou que de fato a filha sempre surpreendeu os pais com sua busca por conhecimento. Começou a andar cedo, falou precocemente (e o que era mais curioso, pronunciava corretamente as palavras e até as colocava no plural quando necessário), aprendeu a ler sozinha, observando as letras e fazendo as inúmeras combinações para formar as palavras.
Extremamente curiosa, Rebeca tinha um senso de observação ímpar, demonstrando muita responsabilidade, além de uma tendência a estar em contato com pessoas acima de sua idade. Adorava conversar com as amigas de sua irmã Giovana, que já estavam cursando a 6ª série. Outro traço curioso da personalidade da jovem criança-prodígio era o seu interesse pela religião. De família evangélica, já havia lido duas vezes uma extensa bíblia infantil e conseguia reproduzir com precisão e entendimento vários trechos do livro.
Seus gostos eram variados. Nas artes, possuía muita sensibilidade para a música, tendo optado por piano e flauta. Já na área esportiva preferia natação e xadrez.
Nas aulas de xadrez, adorava resolver exercícios de mate. Enquanto os demais alunos de seu grupo solucionam com dificuldade cerca de dez diagramas, ela raramente resolvia menos de cinqüenta, acertando praticamente todos!
Entretanto, cerca de um mês após o início das aulas as primeiras dificuldades aparecem. Rebeca estava muito acima nas matérias curriculares e em maturidade, em relação aos seus colegas de classe. Para que ela não perdesse o entusiasmo pela atividade escolar, a diretoria da escola encontrou uma saída: com a aprovação da Delegacia de Ensino, decidiu fazer uma avaliação e caso conseguisse a pontuação necessária, passá-la diretamente para a série seguinte, onde certamente, encontraria maiores desafios. E não foi surpresa para ninguém. A jovem fez os exames e no dia seguinte passou a freqüentar a 2ª série.
Frente a tamanha superioridade de uma pessoa sobre as outras, devemos nos perguntar: o que faz, por exemplo, uma menina de apenas sete anos de idade demonstrar o conhecimento de um adolescente ou até mesmo de um adulto? O que Rebeca possui de tão especial em sua inteligência para torná-la diferente?
Foram aspectos como esse, da personalidade humana, que motivaram o americano Howard Gardner a pesquisar anos a fio. Ele queria saber porque os testes de QI (quociente de inteligência), usado quase que exclusivamente, até então, para descobrir se um indivíduo era ou não inteligente, prediziam com considerável exatidão o desempenho escolar, mas não mostrava de maneira satisfatória seu sucesso numa profissão depois de uma instrução formal.
E indagava ainda: "será que um jogador de xadrez, um violinista ou um atleta que se destacam são inteligentes nessas atividades? Se eles são, então porque os testes de inteligência não conseguem identificá-los? Se não são, o que lhes permitem conseguir esses feitos espantosos?”
O cientista encontrou uma resposta satisfatória: a das inteligências múltiplas. A inteligência seria um potencial biopsicológico, combinando, portanto, herança genética e propriedades psicológicas.
O talento - como é o caso de Rebeca - seria um sinal desse potencial, fazendo com que ela se desenvolvesse mais rapidamente. Gardner comprovou sua teoria de forma empírica e catalogou sete inteligências que considerou principais. São elas:
Lingüística: refere-se, naturalmente, ao domínio da linguagem. Os escritores e oradores, geralmente têm essa capacidade bastante desenvolvida.
Lógico-matemática: diz respeito ao senso de dedução, observação, capacidade de cálculo, entre outros. Os que se dedicam às ciências exatas a possuem em alto grau.
Musical: facilidade que as pessoas apresentam para o canto, lidar com instrumentos musicais etc. Mozart seria um dos maiores representantes desse domínio.
Corporal-cinestésica: capacidade de usar o próprio corpo para expressar uma emoção (como na dança ou no teatro) e realizar atividades esportivas (tênis, basquete...).
Espacial: solução de problemas espaciais são necessários na navegação, ao visualizar um objeto ou na criação de mapas.
Intrapessoal: o conhecimento dos aspectos internos de uma pessoa: sentimento da própria vida e das emoções. A pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um modelo viável e efetivo de si mesma.
Interpessoal: baseia-se na capacidade de perceber distinções entre os outros, em especial, contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações e intenções. Em formas mais avançadas, permite a uma pessoa perceber as intenções e desejos dos outros, mesmo que elas os escondam.
Entramos nesse assunto porque o xadrez tem papel importante no desenvolvimento direto em pelo menos duas das inteligências citadas acima: espacial (fundamental na análise do controle territorial) e a lógico-matemática (em função do cálculo de variantes e deduções de caráter posicional que são empreendidos durante uma partida).
Esse lado pedagógico do xadrez tem feito com que muitos educadores vejam na modalidade um excelente meio de apoio a difícil arte de aperfeiçoar o intelecto dos estudantes.
Para encerrar, não preciso nem dizer que Rebeca foi uma das melhores enxadristas de sua escola naquele ano, chegando a estar entre os cinco primeiros do ranking interno, que reunia mais de 100 alunos com idade variando entre seis e dezessete anos.
Referência bibliográfica: GARDNER, Howard - Inteligências múltiplas - a teoria na prática. Porto Alegre: Artes médicas, 1995.
Há três anos um fato curioso aconteceu. No primeiro dia de aula, ao entrar na sala da 1ª série do ensino fundamental, me deparei com uma linda loirinha, olhos castanhos, de nome Rebeca. Logo no primeiro contato observei que ela era diferente das demais crianças de sua turma, pois tinha uma profundidade e brilho no olhar cativantes.
Em conversa com sua mãe Ester, ela me revelou que de fato a filha sempre surpreendeu os pais com sua busca por conhecimento. Começou a andar cedo, falou precocemente (e o que era mais curioso, pronunciava corretamente as palavras e até as colocava no plural quando necessário), aprendeu a ler sozinha, observando as letras e fazendo as inúmeras combinações para formar as palavras.
Extremamente curiosa, Rebeca tinha um senso de observação ímpar, demonstrando muita responsabilidade, além de uma tendência a estar em contato com pessoas acima de sua idade. Adorava conversar com as amigas de sua irmã Giovana, que já estavam cursando a 6ª série. Outro traço curioso da personalidade da jovem criança-prodígio era o seu interesse pela religião. De família evangélica, já havia lido duas vezes uma extensa bíblia infantil e conseguia reproduzir com precisão e entendimento vários trechos do livro.
Seus gostos eram variados. Nas artes, possuía muita sensibilidade para a música, tendo optado por piano e flauta. Já na área esportiva preferia natação e xadrez.
Nas aulas de xadrez, adorava resolver exercícios de mate. Enquanto os demais alunos de seu grupo solucionam com dificuldade cerca de dez diagramas, ela raramente resolvia menos de cinqüenta, acertando praticamente todos!
Entretanto, cerca de um mês após o início das aulas as primeiras dificuldades aparecem. Rebeca estava muito acima nas matérias curriculares e em maturidade, em relação aos seus colegas de classe. Para que ela não perdesse o entusiasmo pela atividade escolar, a diretoria da escola encontrou uma saída: com a aprovação da Delegacia de Ensino, decidiu fazer uma avaliação e caso conseguisse a pontuação necessária, passá-la diretamente para a série seguinte, onde certamente, encontraria maiores desafios. E não foi surpresa para ninguém. A jovem fez os exames e no dia seguinte passou a freqüentar a 2ª série.
Frente a tamanha superioridade de uma pessoa sobre as outras, devemos nos perguntar: o que faz, por exemplo, uma menina de apenas sete anos de idade demonstrar o conhecimento de um adolescente ou até mesmo de um adulto? O que Rebeca possui de tão especial em sua inteligência para torná-la diferente?
Foram aspectos como esse, da personalidade humana, que motivaram o americano Howard Gardner a pesquisar anos a fio. Ele queria saber porque os testes de QI (quociente de inteligência), usado quase que exclusivamente, até então, para descobrir se um indivíduo era ou não inteligente, prediziam com considerável exatidão o desempenho escolar, mas não mostrava de maneira satisfatória seu sucesso numa profissão depois de uma instrução formal.
E indagava ainda: "será que um jogador de xadrez, um violinista ou um atleta que se destacam são inteligentes nessas atividades? Se eles são, então porque os testes de inteligência não conseguem identificá-los? Se não são, o que lhes permitem conseguir esses feitos espantosos?”
O cientista encontrou uma resposta satisfatória: a das inteligências múltiplas. A inteligência seria um potencial biopsicológico, combinando, portanto, herança genética e propriedades psicológicas.
O talento - como é o caso de Rebeca - seria um sinal desse potencial, fazendo com que ela se desenvolvesse mais rapidamente. Gardner comprovou sua teoria de forma empírica e catalogou sete inteligências que considerou principais. São elas:
Lingüística: refere-se, naturalmente, ao domínio da linguagem. Os escritores e oradores, geralmente têm essa capacidade bastante desenvolvida.
Lógico-matemática: diz respeito ao senso de dedução, observação, capacidade de cálculo, entre outros. Os que se dedicam às ciências exatas a possuem em alto grau.
Musical: facilidade que as pessoas apresentam para o canto, lidar com instrumentos musicais etc. Mozart seria um dos maiores representantes desse domínio.
Corporal-cinestésica: capacidade de usar o próprio corpo para expressar uma emoção (como na dança ou no teatro) e realizar atividades esportivas (tênis, basquete...).
Espacial: solução de problemas espaciais são necessários na navegação, ao visualizar um objeto ou na criação de mapas.
Intrapessoal: o conhecimento dos aspectos internos de uma pessoa: sentimento da própria vida e das emoções. A pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um modelo viável e efetivo de si mesma.
Interpessoal: baseia-se na capacidade de perceber distinções entre os outros, em especial, contrastes em seus estados de ânimo, temperamentos, motivações e intenções. Em formas mais avançadas, permite a uma pessoa perceber as intenções e desejos dos outros, mesmo que elas os escondam.
Entramos nesse assunto porque o xadrez tem papel importante no desenvolvimento direto em pelo menos duas das inteligências citadas acima: espacial (fundamental na análise do controle territorial) e a lógico-matemática (em função do cálculo de variantes e deduções de caráter posicional que são empreendidos durante uma partida).
Esse lado pedagógico do xadrez tem feito com que muitos educadores vejam na modalidade um excelente meio de apoio a difícil arte de aperfeiçoar o intelecto dos estudantes.
Para encerrar, não preciso nem dizer que Rebeca foi uma das melhores enxadristas de sua escola naquele ano, chegando a estar entre os cinco primeiros do ranking interno, que reunia mais de 100 alunos com idade variando entre seis e dezessete anos.
Referência bibliográfica: GARDNER, Howard - Inteligências múltiplas - a teoria na prática. Porto Alegre: Artes médicas, 1995.
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