domingo, 31 de agosto de 2008

O valor do treinamento

Por Paulo Sérgio de C. Oliveira

Mantenho um certo número de livros, aqui na minha cabeceira. É raro ler um até o final, e quando eles começam a acumular muito, faço uma 'desova' para a estante principal. Agora um dos que restou por aqui é o excelente '360 Brilhant and Instructive End Games', de A. A. Troitzky, com introdução de Fred Reifeld. Lembro de Botvinnik, ao manuseá-lo.

Botvinnik, “O guru da Escola Russa” recomendava a resolução de problemas (estudos), como fator componente do treinamento enxadrístico. O velho Mikhail, aliás, fazia treinos muito estranhos. Como, por exemplo, jogar contra adversários que deveriam ficar jogando fumaça de cigarro no seu rosto. Ou jogar com um rádio em alto volume no fundo, tocando um programa de má qualidade. A julgar pela leva de brilhantes discípulos que deixou, sua fórmula funcionava. Acostumar-se a jogar com barulho tem o seu valor. Sem conhecer ainda as teorias de Botvinnik, eu treinava na Associação dos Empregados no Comércio (RG), em meio a uma constante algazarra. Posteriormente isso se revelou muito útil, dando-me muitas vitórias em torneios de fim-de-semana. Daqueles realizados em clubes sociais, quando os organizadores esquecem que sempre há um ensaio antes de uma festa com música ao vivo, sabe?

É claro que também levei muitos mates, por causa desse meu treinamento, mas o número de vitórias foi bem superior. Voltando aos problemas (estudos) como treino, há um tipo que acredito ser mais adequado. Não vou usar a linguagem e o conhecimento técnico dos problemistas, mas podemos classificar grosseiramente os problemas como sendo de dois tipos: o tipo real, com uma posição que realmente poderia acontecer na vida real. E o tipo fantasia, com posição improvável ou quase impossível de acontecer na prática. Troitzky é um dos mestres do tipo real.

Outro componente de treino interessante, usado por muitos grandes, é o pingue. Mas um determinado tipo de pingue, não aquele que os meus amigos do Metrópole estão acostumados a jogar. As irmãs Polgar, por ex., treinaram o tipo certo de pingue. E vejam aonde elas chegaram! O tipo errado de pingue tem os seus mestres também, sem dúvida. E você perderá todas para eles. A técnica principal usada no pingue errado é a do erro proposital e sutil, de difícil exploração. Existem várias outras técnicas, chegando a beirar a baixaria, como a da manobra inútil e perpétua. Sempre com o objetivo de queimar o tempo do adversário. É divertido jogar esse tipo de relâmpago, principalmente falando e com piadas. Mas é a prostituição do xadrez, como já escreveu Luiz Vianna, numa de suas colunas do Correio do Povo.

Não vou dar nomes de mestres de pingue do tipo errado, pois são todos meus amigos. Mas do tipo certo, jogando relâmpago científico, também conheci alguns. Pio Fiori de Azevedo, gaúcho, era um deles. Jogava um xadrez impecável, inclusive no relâmpago. Mequinho era um dos melhores, e acredito que poderia ter sido o melhor do mundo nesta categoria. E não posso deixar de mencionar Antonio Rocha, a quem Mequinho temia enfrentar no relâmpago!

Você estuda as posições e aprende a resolvê-las. Depois aprende a resolvê-las rapidamente.

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