domingo, 31 de agosto de 2008

O enferrujado e a férrea preparação

Por Roberto Telles

Logo após o início da rodada, um jogador procurou o árbitro para uma reclamação:

- Senhor, meu adversário está jogando sem rei.

Esse fato ocorreu durante os Jogos da Juventude do Paraná, estado brasileiro onde as mais inusitadas situações enxadrísticas ocorrem. A modalidade em disputa era xadrez relâmpago, cinco por cinco. O árbitro, bastante experiente, porém surpreendido com o fato, dirigiu-se à mesa e constatou que a reclamação era procedente, pois o condutor das brancas estava com duas damas. Solicitou então que fosse providenciado um rei para corrigir o evidente erro.

O jogador sem-rei interpelou educadamente o árbitro:

- O senhor vai me desculpar, mas a partida tem que continuar nestas condições.

- Como assim? Mais uma vez surpreendido.

O jovenzinho de Guarapuava, um garoto magro com seus 16 ou 17 anos, ruivo, mas bem ruivo, do tipo “enferrujado”, argumentou com a firmeza própria de quem estava absolutamente seguro de sua opinião:

- Leia o regulamento que está afixado no mural onde estão as normas da competição. Ela impede que haja qualquer alteração das peças e/ou da posição, após o início da partida.

O árbitro, que era de outro estado, não havia lido o regulamento e apenas limitou-se a ler as normas do sistema classificatório. Mesmo assim recorreu ao regulamento da FIDE, em que o árbitro pode eventualmente decidir o que é melhor para uma competição.

Mais uma vez o guarapuavense enferrujado argumentou:

- Isso também não se aplica aqui no Paraná. Leia o regulamento e verá que lá está escrito: As regras da FIDE somente serão usadas no que não colidir com o presente regulamento.

Após uma leitura mais atenta, confirmou-se que havia essa clara subversão quanto à escala de poderes. O Paraná estava acima da lei. Há mais distância entre o xadrez paranaense e a FIDE do que possa supor nossa vã filosofia. Shakespeare que me desculpe, mas eu também quero subverter.

- Não tem conversa, o erro tem que ser corrigido e posteriormente você lutará por seus direitos apelando no tribunal de recursos. Oras, jogar sem rei! Isso não é xadrez, isso é um absurdo!

Ato contínuo, o árbitro fez a devida correção, porém acrescentou a sua fala algo desnecessário:

- Mesmo porque sem o rei, você nunca perde!

O enferrujadinho de Guará estava tão preparado para aquela situação que prontamente respondeu:

- Perco sim... Pelo tempo!

Realmente o enferrujadinho estava ferreamente preparado para enfrentar até mesmo a comunidade internacional.

A verdadeira perda de qualidade

Por Paulo Sérgio de C. Oliveira

Dando uma 'mirada' no que restou dos meus livros, constantemente devorados pelos bichinhos mutantes que tenho aqui (coluna de janeiro de 2005), puxei 'The Chess Encyclopedia', obra excelente de Nathan Divinsky. Folhando-a aleatoriamente, deparei-me com o quadro do torneio de Carlsbad de 1929. Fiquei com a vista parada ali, sem conseguir desviá-la.

Comecei a pensar sobre o que era estranho naquele quadro. A nominata era encabeçada por Ninzowitsch, seguido de Capablanca e todos os outros daquela época de ouro, à exceção de Alekhine e Lasker, então supostamente aposentado (não foi Kasparov quem inventou isto). Era isto, o segundo lugar de Capablanca? Não. Continuei olhando a lista, até que tive consciência do que era. Depois de Capablanca seguiam, por ordem de classificação, Spielmann, Rubinstein, Becker, Euwe, Vidmar, Bogoljubow, Grünfeld, Canal, Mattison, Colle, Maroczy, Taratkower, Treybal, Sämisch, Yates, Johner, Marshal, Gilg, Thomas, Menchik. 22 participantes, e jogaram todos contra todos, foram 22 rodadas!

O tempo de jogo foi de 30 lances em duas horas e então 15 lances por hora. Ninzowitsch perdeu só uma! Foi para Yates, o 17º colocado.

Carlsbad era um famoso SPA centro-europeu, considerado uma Mecca para a doença e um Paraiso para a saúde. Era parte do império austro-húngaro até 1918. Agora está na Tchecoeslováquia e é chamado Karlovy Vary. Fica a 80 milhas a oeste de Praga, perto da fronteira alemã-tcheca.

Hoje, quando se joga um torneio de 9 rodadas, já é uma raridade. E isto com um tempinho mixuruca, de uma hora para cada lado, ou semelhante. Joguei uns poucos de 12 rodadas. São excelentes, porque apontam um campeão de verdade. Um dos últimos campeonatos mundiais terminou num pingão. É ridículo! Aliás, esta última disputa da elite (parte dela), entre Topalov e Kramnik, também terminou num pingão. Boa parte das partidas destes torneios atuais carece de qualidade. São repletas de erros e inexatidões. Isto na opinião dos próprios mestres da elite atual, segundo tenho lido na mídia especializada internacional.

É claro que a exigüidade do tempo trouxe o fator espetáculo para o xadrez, que ficou até televisivo. Mas aumentou o valor do fator sorte, diminuindo o fator racional.

A importância das simultâneas de xadrez

MI Nelson Pinal Borges

As SIMULTÂNEAS DE XADREZ se constituem em um importante fator no desenvolvimento do Xadrez, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Muitos dos jovens talentos que posteriormente se destacam em nível magistral nascem ou são descobertos nas Simultâneas. O fato de um Mestre enfrentar 20 a 30 aficionados, que geralmente são estudantes e juvenis, provoca neles – e até em seus pais - um entusiasmo tal que os incentivam à prática e à superação enxadrística.

Bem concebida e organizada, a SIMULTÂNEA DE XADREZ é uma atividade muito instrutiva para o simultaneado, que aprende de sua partida, adquire experiência e é uma boa oportunidade para avaliar seu nível de jogo diante de um adversário superior.

Acrescente-se que uma SIMULTÂNEA DE XADREZ realizada numa praça pública de qualquer cidade é um espetáculo promocional do Xadrez que atrai muitos observadores, conhecedores ou não do Jogo Ciência. Ver uma atividade onde uma pessoa enfrenta 20 ou 30 jogadores provoca um interesse pessoal que encaminha os assistentes a conhecer os pormenores do Xadrez e depois transmitir a seus filhos, familiares, colegas de trabalho etc., o que implica na difusão espontânea do Nobre Jogo.

Desde o ponto de vista econômico, a organização de uma SIMULTÂNEA DE XADREZ de 20-30 tabuleiros não implica em grandes gastos, o que significa que a um baixo custo se pode realizar uma edificante atividade esportiva que, ademais, se converte, para jogadores e observadores, numa forma sã de aproveitar o tempo livre. Também não se precisa de um espaço ou um terreno especial para sua realização.

Estimo que, de acordo com as possibilidades de cada país, cada Federação ou cada entusiasta do Xadrez que deseje desenvolver o mesmo deve ter presente entre seus planos de trabalho a organização de Simultâneas com determinada freqüência e em lugares “estrategicamente selecionados” para que a mesma se converta numa atividade desportiva que atenda aos interesses de organizadores, jogadores e público em geral.

O valor do treinamento

Por Paulo Sérgio de C. Oliveira

Mantenho um certo número de livros, aqui na minha cabeceira. É raro ler um até o final, e quando eles começam a acumular muito, faço uma 'desova' para a estante principal. Agora um dos que restou por aqui é o excelente '360 Brilhant and Instructive End Games', de A. A. Troitzky, com introdução de Fred Reifeld. Lembro de Botvinnik, ao manuseá-lo.

Botvinnik, “O guru da Escola Russa” recomendava a resolução de problemas (estudos), como fator componente do treinamento enxadrístico. O velho Mikhail, aliás, fazia treinos muito estranhos. Como, por exemplo, jogar contra adversários que deveriam ficar jogando fumaça de cigarro no seu rosto. Ou jogar com um rádio em alto volume no fundo, tocando um programa de má qualidade. A julgar pela leva de brilhantes discípulos que deixou, sua fórmula funcionava. Acostumar-se a jogar com barulho tem o seu valor. Sem conhecer ainda as teorias de Botvinnik, eu treinava na Associação dos Empregados no Comércio (RG), em meio a uma constante algazarra. Posteriormente isso se revelou muito útil, dando-me muitas vitórias em torneios de fim-de-semana. Daqueles realizados em clubes sociais, quando os organizadores esquecem que sempre há um ensaio antes de uma festa com música ao vivo, sabe?

É claro que também levei muitos mates, por causa desse meu treinamento, mas o número de vitórias foi bem superior. Voltando aos problemas (estudos) como treino, há um tipo que acredito ser mais adequado. Não vou usar a linguagem e o conhecimento técnico dos problemistas, mas podemos classificar grosseiramente os problemas como sendo de dois tipos: o tipo real, com uma posição que realmente poderia acontecer na vida real. E o tipo fantasia, com posição improvável ou quase impossível de acontecer na prática. Troitzky é um dos mestres do tipo real.

Outro componente de treino interessante, usado por muitos grandes, é o pingue. Mas um determinado tipo de pingue, não aquele que os meus amigos do Metrópole estão acostumados a jogar. As irmãs Polgar, por ex., treinaram o tipo certo de pingue. E vejam aonde elas chegaram! O tipo errado de pingue tem os seus mestres também, sem dúvida. E você perderá todas para eles. A técnica principal usada no pingue errado é a do erro proposital e sutil, de difícil exploração. Existem várias outras técnicas, chegando a beirar a baixaria, como a da manobra inútil e perpétua. Sempre com o objetivo de queimar o tempo do adversário. É divertido jogar esse tipo de relâmpago, principalmente falando e com piadas. Mas é a prostituição do xadrez, como já escreveu Luiz Vianna, numa de suas colunas do Correio do Povo.

Não vou dar nomes de mestres de pingue do tipo errado, pois são todos meus amigos. Mas do tipo certo, jogando relâmpago científico, também conheci alguns. Pio Fiori de Azevedo, gaúcho, era um deles. Jogava um xadrez impecável, inclusive no relâmpago. Mequinho era um dos melhores, e acredito que poderia ter sido o melhor do mundo nesta categoria. E não posso deixar de mencionar Antonio Rocha, a quem Mequinho temia enfrentar no relâmpago!

Você estuda as posições e aprende a resolvê-las. Depois aprende a resolvê-las rapidamente.

XADREZ: UMA PERFEITA GINÁSTICA MENTAL

MI Nelson Pinal Borges

Há algum tempo atrás o The Wall Street Journal publicou um artigo assinado pelo Sr. Bernard Wysocki que abordava um tema muito debatido na sociedade científica norte-americana: a relação entre a atividade mental e a conservação da memória nas pessoas que passam dos 40 anos de idade.

Depois de ser os pioneiros na Saúde Física, os norte-americanos estão dedicados atualmente na manutenção de seus cérebros em forma. Daí os diferentes estudos realizados por respeitáveis instituições científicas sobre este importante tema.

No artigo mencionado, expõem-se vários conselhos para evitar a deterioração da memória. Desde determinadas dietas ricas em VITAMINA A, E e antioxidantes naturais, até dormir o suficiente, maior utilização da mão contrária, fazer exercícios diários e tratar de diminuir as situações que provoquem stress.

Assinala também que o enfoque mais popular para manter afinada a memória constitui em seu treinamento ativo, o que alguns especialistas denominam Ginástica Mental Aeróbica. Para tal efeito, a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, oferece cursos de treinamentos da memória, de cinco semanas de duração, baseados em diferentes provas cognoscitivas e conselhos práticos.

Baseados no princípio de que órgão que não se exercita se atrofia, e de estudos recentes que reforçam o critério de que a memória é como um músculo flácido que pode ser tonificado mesmo em idades avançadas é que se popularizaram as propostas da Ginástica Mental como terapia eficaz para evitar a erosão da memória relacionada com a idade. Entre os exercícios recomendados estão jogar brigde, resolver palavras-cruzadas e quebra-cabeças ou aprender um idioma. Isso é, estas atividades podem fazer pelo cérebro o que os abdominais fazem pelo corpo.

Corroborando os resultados positivos da Ginástica Mental, o Instituto Nacional de Envelhecimento dos Estados Unidos tornou público o maior estudo clínico já realizado sobre o exercício da memória; examinou 2,800 pessoas de 65 anos ou mais. Conclusões: cerca de 26% das que receberam um treinamento normal mostraram uma melhoria substancial. Em outro subgrupo, onde os participantes fizeram exercícios de velocidade de processamento, 87% mostrou uma melhoria muito superior.

R E F L E X Õ E S

Depois de conhecer estes estudos e as conclusões correspondentes, onde se defende o critério de que a atividade mental é fundamental para a manutenção da memória e a atividade geral do cérebro, pergunto-me: que outra atividade pode se constituir numa ferramenta perfeita e possivelmente mais efetiva do que as mencionadas anteriormente para cumprir os princípios de uma verdadeira Ginástica Mental?

A resposta é simples: o Xadrez. Ou acaso uma partida de Xadrez não se constitui, por si só, num exercício mental, onde, a cada instante, o cálculo, a velocidade de processamento e organização de uma ampla gama de informações e a tomada de decisões são fundamentais?

Calcular árvores de variantes e encontrar soluções sob a pressão de um tempo determinado é, por si só, um treinamento mental completo, onde, ademais, fatores desportivos e psicológicos obrigam o jogador a ser sumamente exato no processo mental que implica na busca e comprovação de soluções.

O Xadrez, que é uma das mais interessantes criações do engenho humano, é uma atividade intelectual que se constitui num elemento sumamente importante dentro de diferentes atividades que podem servir para a realização de estudos sobre o comportamento do cérebro. Poucas atividades mentais podem comparar-se ao jogo-ciência como exemplo de processamentos de dados e organização de idéias em busca de solucionar problemas sob determinadas situações complexas e variáveis.

A riqueza temática do Xadrez é incalculável, já que inter-relaciona elementos científicos, artísticos, lógicos, matemáticos, filosóficos, psicológicos, estratégicos e táticos. Estas aplicações permitem assegurar que o Xadrez é uma Ginástica Mental Integral de infinitas potencialidades de investigação no campo da Saúde Mental. Sua prática contribui para prolongar as faculdades intelectuais.

Entendo que não está longe o dia em que os cientistas dedicados às investigações do cérebro tomem muito a sério o XADREZ como uma ferramenta fundamental para o estudo de diferentes aspectos relacionados com a memória, o processo do pensamento e toda a atividade do cérbro, o mais complexo e perfeito orgão que possui o ser humano.

Os grandes mestres do tabuleiro

Ricardo Reti - PRÓLOGO

“Ainda que este livro tenha o aspecto de uma coleção de partidas, sem dúvida é um método, mas não um método no estilo dos matemáticos ou de outra ciência qualquer. Assim como que para saber nadar é necessário atirar-se na água, para saber jogar xadrez é necessário jogá-lo, pois somente com livros ninguém o aprenderá. Um método para este jogo é só um acompanhante para o aficionado, é um conselheiro que lhe guiará nas idéias falsas ou errôneas que por si só tenha adquirido, evitando-lhe de adquirir outras e, por sua vez, ensinar-lhe-á em suas horas de distração as belezas e as profundidades do jogo ciência, dando-lhe a alegria que é a presunção necessária para o êxito.

Estas são as razões que me determinaram a dar a este livro a forma de uma coleção de partidas. As complicadas combinações são uma síntese de teorias simples. No xadrez é tudo ao contrário. A teoria é uma abstração, uma generalização de experiências adquiridas nas partidas.

O fundamental e indispensável no xadrez é a partida viva, é no seu estudo aonde se adquirem os conhecimentos teóricos.

Ordenei em princípio histórico os resultados dos grandes mestres do tabuleiro pela razão de que, ao mesmo tempo, é a disposição mais lógica. A técnica moderna do xadrez apóia-se em experiências antigas e é por esta causa que as partidas modernas jogadas por mestres só podem ser compreendidas pelo estudo dos mestres antigos.

Tanto na escolha das partidas, como em suas análises, sempre tive presente que escrevia um método, e esforcei-me em cada caso para ver o conjunto e não explicar somente a teoria das aberturas, mas também o curso do meio-jogo.

Espero, pois, que este livro venha a ser um fiel auxiliar nas proezas dos enxadristas, tanto para os que começam como para os que já sejam fortes no jogo.

Primeira Parte : Mestres de Ontem : Adolfo Anderssen

Antes de praticar o jogo de posição, deve-se aprender a combinar. Esta regra se confirma na história do xadrez, e podemos recomendá-la bastante aos jogadores jovens.

Não comece o vosso jogo com o peão da dama e com a defesa francesa, mas sim com partidas de jogo aberto, gambitos. É certo que jogando cerrado o jogador principiante perderá menos partidas, mas em troca no jogo aberto aprenderá a jogar xadrez.

Nos tempos antigos, também existiram jogadores de posição. O maior foi André Danican Philidor, que talvez tenha sido o maior pensador até o momento presente. Porém o que com seu exemplo fomentou ao máximo grau a potência da combinação no mundo enxadrístico, amadurecendo para a prática do jogo de posição, foi Adolfo Anderssen.

Anderssen nasceu em Breslau no dia 6 de Julho de 1818. A informação da carreira de sua vida é muito simples. Estudou filosofia e matemáticas e até o dia 13 de março de 1879, quando faleceu, ocupou o cargo de professor no instituto de sua cidade natal.

Ocupou-se com xadrez nos primeiros tempos de sua vida estudantil, contudo a força de seu jogo desenvolveu-se lentamente. Para seus compatriotas alemães e até internacionalmente, foi a revelação quando no primeiro torneio de mestres celebrado em Londres em 1851, com o qual começou a época moderna do xadrez, obteve o primeiro prêmio. A este triunfo seguiram outros, especialmente o de Londres em 1862 e o de Baden-Baden em 1870.

Recordamos ao que queira aprender, que se fixe nas seguintes partidas de Anderssen não só para divertir-se com elas, mas também para fortalecer seu jogo de combinação. Não deve acreditar que o jogo de combinação seja só fruto do talento e que não se possa aprender. Os elementos são sempre os mesmos, que se apresentam em relações mais ou menos complicadas, tais como ataques duplos, sujeições, trocas, etc.

Quanto mais combinação se tenha visto, tanto mais fácil será concebê-las por si mesmo.

Nas partidas que estudaremos não só trataremos delas, mas também estudaremos as aberturas. Entre as aberturas, a primeira que segue é a do ‘Gambito do Rei’. Entende-se por ‘gambito’ uma abertura na qual se sacrifica um peão a fim de conseguir uma vantagem em desenvolvimento, ou bem outras vantagens. O gambito conhecido como o mais antigo na literatura do xadrez, é o Gambito do Rei: 1.e4 e5 2.f4.

A idéia deste gambito é dupla: 1º abertura da coluna do bispo do rei, na qual uma vez efetuada o roque, a torre do rei pode entrar rapidamente em ação; 2º a possibilidade de formar-se um forte centro de peões, depois do afastamento, ou bem da troca do peão rei negro, mediante d4. A força de tal centro de peões, nós conheceremos mais adiante. Depois de 2...ef, as brancas não podem jogar em seguida 3.d4, pois devem antes de tudo fazer algo para evitar a ameaça das negras Dh4+.

O jogador que está aprendendo e também o experimentado, melhorará sensivelmente seu jogo se esforçar para tratar cada abertura conforme a sua idéia base, seguindo um plano preconcebido.

Por exemplo, jogando-se o Gambito do Rei, com as brancas, deve-se ter em conta a todo o momento os dois objetivos principais desta abertura, que são a dominação da linha f e a formação de um centro de peões.

Se ao contrário, deixa-se guiar por extravios e rodeios, ele mesmo tira o sentido de suas primeiras jogadas e então a inconseqüência de seu jogo lhe será fatal.

E como devem as negras responder ao Gambito do Rei?

Nos tempos antigos era usual aceitar cada sacrifício que o adversário apresentava, e, por conseguinte aceitava-se quase sempre o Gambito do Rei mediante 2...ef, procurando defender este peão com g5. Esta defesa tem dois fins: um material e outro posicional. Ao defender o peão de f4 fica obstruída a coluna f e então as brancas para corresponderem à idéia da abertura, que é atacar sobre a coluna f, deverão quase sempre sacrificar uma peça para tirar do meio o peão do negro.

Outra réplica contra o Gambito do Rei é o contra-ataque no centro com: 2...d5, ao qual depois de 3.ed segue quase sempre 3...e4 (seria um grave erro 3.fe, por causa de 3...Dh4+). Agora são as negras que jogam um gambito, este chamado de Falkbeer, cujo descobridor foi o mestre austríaco Ernesto Carlos Falkbeer, nascido em Brünn em 1819 e falecido em Viena em 1885.

Que conseguem as negras com este sacrifício de peão?

Diante do apresentado, o fracasso completo de todos os propósitos que tiveram as brancas com a jogada do gambito. A abertura da coluna f ou mesmo a intenção de formar um centro de peões, são impedidas radicalmente. Agora não se sabe que objetivo tem o peão de f4 em sua situação. Além disto o peão de e4 causa certa moléstia na posição das brancas e estas se encontram com dificuldades para o seu desenvolvimento. Em troca, as negras têm certa preponderância no centro. Por esta razão, nos últimos anos começou-se a considerar o Gambito Falkbeer quase como a refutação do Gambito do Rei.

Outra réplica: as negras podem tratar de ignorar a idéia de gambito das brancas continuando o seu desenvolvimento, e neste caso não lhes é necessário jogar imediatamente 2...d6 para a defesa, porque restringiriam a ação do seu bispo do rei. O ataque ao peão de e5 é só aparente, porque 3.fe fracassaria por 3...Dh4+. As negras podem, portanto, jogar tranqüilamente 2...Bc5 e defender mais tarde seu peão de e5 com d6 sem encerrar o seu bispo do rei.

Teremos ocasião de voltar seguidamente ao Gambito do Rei, porém rogamos àquele que estuda que não considere como palavras inúteis as idéias gerais que aqui e mais adiante exporemos sobre as aberturas. Por desgraça, a maioria das vezes os jogadores de xadrez só estimam as variantes exatas, porém o justo é o contrário. Confirmou-se que há mais verdade enxadrística nas idéias do que nas variantes. Aquele que compreender o espírito exato das aberturas, pode ter confiança de que também sem o conhecimento das variantes não produzirá nenhuma partida ruim”.

Rosanes, Jacob - Anderssen, Adolf

[C31 – Contra Gambito Falkbeer ] Breslau, 1863

Comentários: Reti e Paulo Sérgio de Castro Oliveira (PSCO)

1.e4 e5 2.f4 d5 3.exd5 e4 4.Bb5+

Esta jogada é característica do jogador de tempos antigos. Não é jogada posicional, quero dizer, não tem o objetivo de chegar a uma situação fina; perseguia-se somente uma vantagem material imediata ou o mate. Hoje em dia se sabe que no campo da abertura o domínio do centro é o ponto essencial a ser tratado. Um jogador moderno se esforçará, antes de tudo, para desembaraçar-se do peão negro pressionador de e4 e, por conseguinte, jogará 4.d3. O condutor das brancas na presente partida quer, ao contrário e tal como então era usual, assegurar a preponderância numérica dos seus peões, ainda que à custa do próprio desenvolvimento, jogando para isto 4.Bb5+ para depois de 4...c6 trocar o seu peão de d5, que poderia tornar-se débil mais tarde.

4...c6 5.dxc6 Cxc6

Na maioria da vezes costuma-se jogar aqui 5...bxc.

6.Cc3 Cf6 7.De2

Aqui era melhor para o branco jogar o peão dama, a fim de recuperar-se do seu desenvolvimento que está atrasado. Em vez disto, ele persegue mais vantagem material, ou seja, ganhar outro peão, o do rei. As negras, com razão, não se esforçam para defender este peão e sim para continuar o seu desenvolvimento. Quanto mais peões desapareçam do tabuleiro e quanto mais colunas se abrirem, tanto mais se ressaltará a vantagem do desenvolvimento.

7...Bc5 8.Cxe4 O-O 9.Bxc6 bxc6 10.d3 Te8 11.Bd2

As brancas querem colocar o seu rei em segurança por meio do roque grande, mas as negras conseguiram colunas abertas também na ala da dama.

11...Cxe4 12.dxe4

PSCO: reparem que as negras têm 2 peões a menos e a sua estrutura está destruida. Se todas as peças, menos os peões, fossem trocadas agora num passe de mágica, o final seria facilmente ganho pelas brancas!

12...Bf5! 13.e5 Db6

Se 13...Bc2 14.Dc4 e as negras deveriam trocar um dos seus bispos bons, porém ainda assim era favorável para elas, dado o atraso que levam as brancas no seu desenvolvimento.

14.O-O-O Bd4!

Isto causa uma debilidade no flanco do roque das brancas.

15.c3 Tab8 16.b3 Ted8!

Uma típica jogada preparatória de Anderssen, princípio de uma combinação brilhante da qual seu adversário está completamente ignorante.

17.Cf3

É claro que se jogam 17.cd, após 17...Dd4 não têm salvação. Se tivessem percebido o propósito das negras, teriam jogado 17.Rb2, mas então as negras com 17...Be6 ameaçando 18...Bb3 teriam ganho facilmente.

17...Dxb3!! 18.axb3 Txb3 19.Be1 Be3+!

e xeque mate na próxima jogada. 0-1

NA PRÓXIMA VEZ, VOCÊ PERDE, MAS ROCA!

Por: MI Nelson Pinal Borges

Com este artigo, desejo compartilhar com os aficionados amantes do Xadrez um interessante e instrutivo episódio do ex-Campeão Mundial José Raúl Capablanca que ouvi há muitos e muitos anos atrás do Mestre Nacional Francisco Planas. No mesmo, aprecia-se a fidelidade de Capablanca aos princípios fundamentais do Xadrez.

Antes de tudo, direi-lhes que o Mestre Planas foi parceiro de Capablanca na equipe que participou da Olimpíada Mundial realizada na Argentina no ano de 1939 e, por várias décadas, foi um dos melhores jogadores cubanos; foi capitão da equipe nacional que representou Cuba na Olimpíada Mundial de Havana em 1966. Como jogador, Planas se destacou por ser um excelente estrategista e um grande conhecedor dos finais; participou de Campeonatos de Cuba até início dos anos 70, quando a idade começou a enfraquecer seu nível de jogo. Posteriormente faleceu em 1990.

Bom conversador, de um caráter jovial e ameno, Planas foi muito querido pelos enxadristas de várias gerações e em geral por todos os que tiveram o privilégio de conhecê-lo e conviver com ele. (Pessoalmente tive a honra de ser seu discípulo por algumas semanas, quando, em 1968, esteve treinando a equipe de minha província, que interviria no Campeonato Nacional por equipes de 1968; posteriormente joguei com ele em dois Campeonatos de Cuba. Sempre levei em alta conta seus sábios conselhos.)

Pois bem, o episódio em questão aconteceu na Olimpíada de Buenos Aires, sendo seus atores principais Capablanca e Planas; ouvi-a do próprio Planas numa de suas costumeiras palestras com grupos de aficionados e mestres, que se deleitavam com suas exposições. Dito episódio é muito instrutivo e é uma mostra da importância que Capablanca dava à inviolabilidade dos princípios gerais do Xadrez, destacados pelo genial cubano em suas obras "Fundamentos do Xadrez" e "Últimas lições".

Numa das rodadas da Olimpíada, Planas foi derrotado em apenas 20 jogadas, depois de suportar um ataque ao rei no centro do tabuleiro (Planas não rocou).

Ao finalizar a rodada, a equipe se reuniu para analisar as partidas e Capablanca, aborrecido pelo resultado e, sobretudo pela violação de um princípio tão elementar como realizar o roque o mais cedo possível, perguntou ao perdedor - E você, por que não rocou?

-Não pude, não tive tempo!- respondeu Planas.

-Como não teve tempo? Mostre-me a partida! Disse-lhe Capablanca.

Assim, ao mostrar a partida a Capablanca, este, num momento da exposição, interrompe Planas e exclama:

-Alto! Agora, roque!

Os membros da equipe olharam Capablanca em silêncio, atentos para o que em realidade constituía uma lição. Mas todos se surpreenderam ainda mais quando Capablanca terminou a "lição" com uma repreensão:

-Na próxima vez, você perde, mas roca!

É de destacar que a Olimpíada de 1939 foi uma das últimas atuações de José Raúl Capablanca em sua brilhante carreira; defendeu o 1º tabuleiro da equipe cubana, que conseguiu classificar-se para a final, ocupando o décimo primeiro lugar, entre 15 finalistas. Em todo o torneio, Capablanca ganhou 7 partidas e empatou 9, melhor resultado que o do Campeão Mundial Alekhine, Keres, Tartakower, entre outros formidáveis mestres. Este desempenho valeu a Capablanca a medalha de ouro, a qual foi entregue pelo Presidente da República Argentina, diante de ampla manifestação de afeto e admiração de parte dos milhares de assistentes ao ato de premiação.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Operação Dragão

por: MI Rodrigo Disconzi

http://www.torre21.com/visor-js/disconzi-xp06.htm

Homenagem ao filme "Enter The Dragon" (1973), considerado um dos melhores filmes de artes marciais, graças à participação de Bruce Lee no papel principal.

Atualizando, nosso personagem principal, Bruce Fier, é convidado a participar de feroz embate entre os principais combatentes do mundo e de cara é lançado à arena para enfrentar o temível prodígio chinês e de assustador nome: BU!!!

Em sua busca pessoal pelo cobiçado título de GM, Fier terá em seu caminho não só seus adversários, mas também oportunidades de exercitar o autoconhecimento e refletir: a luta mais importante é dentro ou fora do tabuleiro?

Início de partida. Em primeiro lugar a tranqüilidade, para poder desempenhar um bom papel sem ter o medo como principal adversário.

Fier, Alexander (2365) - Bu, Xiangzhi (2615) [B38] ol (Calvia), 2004

1.e4 c5 2.Cf3 Cc6 3.d4 cxd4 4.Cxd4 g6

O Dragão mostra seus dentes e garras! Na cruzada para domesticar o monstro, Fier é exército de um homem só.

5.c4

Decisão importante. Tentar um nocaute fulminante com roques opostos (5.Cc3) ou restringir os limites da fera e apertar a coleira (5. c4)?

5...Bg7 6.Be3

Como enfrentar adversários fortes sem ter medo? "O adversário se forma em nossa mente somente em imagens e ilusões, e não sabemos ao certo seu caráter e suas verdadeiras intenções. Destrua a imagem que você formou e então encare seu real adversário"

6...Cf6 7.Cc3 O-O 8.Be2 d6 9.O-O Cxd4

Bu Dragão, ou pelo próprio calor, resolve simplificar e ganhar espaço para manobrar em seu campo. Neste momento ele poderia escolher qual peão pressionar e4 com Bd7-Bc6 ou c4 com Be6.

10.Bxd4 Be6

Dentro da filosofia e estilo de nosso pretendente a herói, a FLUIDEZ é parte essencial de toda a engrenagem... Como seguir jogando lances bons mesmo quando não existem objetivos ou alvos aparentes? Uma forma de responder é: Jogando lances flexíveis, progressivos e que mais ajudem do que atrapalhem as outras peças e a essência da posição, deixando a posição em harmonia e pronta para se adaptar à qualquer oportunidade que venha a surgir.

11.Dd2

Unir os elementos f1 e a1; manter o contato com o iluminador farol em d4; antecipar contato de primeiro grau com a intrusa Da5.

11...Da5 12.Tfd1

"Absorva o que é útil, descarte o que não seja e acrescente o que só você possui" (Bruce Lee). Terminada a parte de referência teórica, os próximos passos devem ser cautelosos mas aptos para quaisquer troca de golpes. [Mais agressivo seria 12.Tad1 mantendo uma torre em f1 para projetar f4-f5 aproveitando o posicionamento do Be6. 12...Tfc8 13.b3 a6 (13...Cd7 14.Cd5 Dd8 15.Bxg7 Rxg7 16.Cf4 Cf8 17.e5! dxe5 18.Ch5+!) 14.f4 b5? (14...Tab8) 15.f5! Bd7 16.Bxf6! Bxf6 17.Cd5 Dxd2 18.Cxf6+ exf6 19.Txd2]

12...Tfc8

Indicando pretensão de ações na ala da dama e reservando d8 para um recuo da Da5 se necessário.

13.b3

"Não farei nenhum movimento se meu adversário não de mover; se o adversário tentar se mover, mover-me-ei antes dele". (Kung Fu)

13...Ce8

[se: 13...Cd7 14.Cd5 Dd8 (14...Dxd2? 15.Cxe7+ Rf8 16.Bxg7+ Rxe7 17.Txd2) 15.Bxg7 Rxg7 16.Dd4+ Rg8 17.Cc3!? missão cumprida, hora de voltar à base, comer um feno e tomar uma aguinha... 17...Db6 18.Dxb6 Cxb6 19.f4 f6 20.e5!? dxe5 21.fxe5 f5? (se: 21...fxe5 22.Bf3 Tab8 23.Td2) 22.Bf3]

14.Bxg7 Rxg7 15.Dd4+ Cf6 16.Cd5

"O que é concentração?" Perguntou-me o Mestre certa noite. ... Disse-lhe que não sabia explicar ao certo, ele então falou: -"É como apontar o dedo para a lua .... " Enquanto eu olhava para seu dedo ele me acertou um tapa na testa e continuou: " NÃO preste atenção no dedo, ou você deixará de ver toda a glória celestial..." [se: 16.f4 Dc5 diminuindo as chances de ataque sem as damas. 17.Bf3 Tab8 18.Rf2 g5!?]

16...Bxd5 17.exd5 a6

"Saber não é suficiente, nós precisamos aplicar. Desejar não é o bastante, precisamos fazer!" (Bruce Lee). Ele vai quebrar com b5 e eu tenho que achar um plano... Qual o mais lógico? Mate! (Fier)

18.Td3

"Uma meta nem sempre precisa ser alcançada, muitas vezes ela simplesmente funciona como algo a ser atingido"

18...b5 19.Te3 Tc7

"Mestre, vejo que seus talentos estão além de suas aptidões físicas. Suas habilidades atingiram um ponto de inspiração profunda, mas... qual o nível máximo de técnica que você pretende atingir? - Ao nível de não ter técnica alguma. Muito boa resposta. Mas no que você pensa enquanto encara seu oponente? - Penso que não há oponente"

20.g4!

"Mestre, olhe como aquele lutador quebra facilmente tábuas de madeira! - Tabuleiros não revidam golpes..." (Bruce Lee) "Usei o plano de passar a torre pra h mais umas 2 vezes só nessa olimpíada!"(Fier)

20...Rg8 21.g5 Ce8 22.Dh4

"Em combate, a espontaneidade impera. Somente a exibição de técnica não basta"

22...Cg7 23.Th3

"Para conhecer a si mesmo é necessário estudar-se quando estiver em ação junto a outra pessoa"

23...h5 24.gxh6 Cf5 25.Df4 bxc4 26.bxc4 Tac8

"Uma boa disputa deveria ser como uma brincadeira, mas levada a sério. Um bom jogador não se torna tenso, mas pronto para a ação. Quando o adversário expande, ele contrai. Quando o outro se encolhe, ele avança. E quando surge uma oportunidade, ele não golpeia. O golpe age por si só!" (Enter the Dragon) "Hora de entrar nas complicações... Parecia que ia dar tudo certo... (Fier)"

27.Tc1 Db6

[se: 27...Db4 28.Bd3 eliminando o principal defensor do rei preto]

28.Bg4 Dd4 29.Dxd4 Cxd4 30.Bxc8 Ce2+ 31.Rf1 Cxc1 32.Bxa6 Cxa2 33.Tb3

"E eis que o cavalo surge meio sem casa no canto do tabuleiro... o rei tem que tomar cuidado do peão h e se for capturá-lo vai perder uns preciosos tempos... Vi que tinha chances!" (Fier)

33...e6?

"Quando se sentir desorientado, controle-se!" (Jogador de Poker tiltado) [33...Rh7]

34.dxe6 fxe6 35.Tb6 d5

[se: 35...Td7 36.Bc8]

36.cxd5 exd5 37.Txg6+ Rh8 38.Td6

"Agora é só questão de técnica e um pouco de nervos..." (Fier)

38...Cb4 39.Bb5 Ta7 40.Be2

Provocando o adversário.

40...Tc7

Que não aceita a provocação. Se: 40...Rh7 41.Tb6 Ta1+ 42.Rg2 Ta4 43.Bg4! cercando o cavalo e o rei pretos.]

41.Tb6 Cc6 42.Bd3 Tc8 43.f4 Cd4 44.Rf2 Tf8 45.Rg3 Cf5+ 46.Rg4 Ce3+ 47.Rg5 Cg2 48.Bf5 d4 49.Td6 d3 50.h7 Ce1 51.Bxd3

["Os bons jogadores sempre são sádicos" (A. Gianello) O melhor era: 51.Be4! Te8 52.Rh6 Tf8 53.Bd5! d2 54.Tg6 com mate.]

51...Cxd3 52.Txd3 Tf7!?

para manter chances de afogado... [se: 52...Rxh7 53.Td7+ Rg8 54.f5 Com final teórico ganho... 54...Ta8 55.Rg6 Rf8 56.f6 Re8 57.Th7 Ta6 58.Th8+ Rd7 59.Rg7 Ta2 60.f7 Tg2+ 61.Rf8 Re6 62.Re8 Tb2 63.Th6+ Rd5 64.f8=D]

53.Th3 Tg7+ 54.Rf5 Ta7 55.Th5 Ta1

"Mesmo aqui eu não sabia muito bem como ganhar o final, mas sentia que ia passar de algum jeito... Keep walking!" (Fier)

56.Rg5 Tg1+ 57.Rf6 Tg6+! 58.Re5 Ta6 59.Th3 Ta5+ 60.Re4 Ta4+ 61.Rf5 Ta6 62.Rg4 Tg6+ 63.Rf3 Ta6 64.f5 Ta4 65.Rg3 Ta1 66.Rf4 Tf1+ 67.Rg5 Te1 68.Rf6 Ta1 69.Te3 Rxh7 70.Rf7 Ta7+ 71.Te7 Ta6 72.f6 Rh6 73.Te6 Ta8 74.Te8 Ta7+ 75.Te7 Ta8 76.h4!

"Pra dar o golpe final..." (Fier)

76...Ta1 77.Te8 Ta7+ 78.Rg8 Rg6 79.f7

"E por fim venci... 79...Txf7 80.Te6+ Tf6 81.h5+ Rg5 82.Txf6 Rxf6 83.h6 ganhando... E a alegria de ter jogado contra o meu primeiro 2600+!" (Fier)


terça-feira, 20 de maio de 2008

Como Pensam os Mestres - 3

O retorno da Variante Robin Hood

Por: MI Luis Henrique Coelho

No ano de 2003, logo após ter conquistado minha terceira norma de Mestre Internacional no Magistral de São José do Rio Preto-SP, viajei a Cuba, na condição de MI-elect, para disputar dois torneios fechados valendo norma de GM na ilha de Fidel Castro. Este mês que passei por lá foi um dos melhores de minha vida, onde aprendi sobre a história e a cultura cubana, fiz muitos amigos, fiquei hospedado em um espetacular hotel 5 estrelas às margens do Mar do Caribe, em Santiago de Cuba, e me diverti aos montes. Entre os bons amigos que fiz por lá estão os GMs locais Neuris Delgado, Yunieski Quezada, Holden Hernandez e Omar Almeira, e o MI venezuelano José Sequera.

Contudo, este mesmo excesso de diversão, aliado ao fato que eu já havia conquistado a última norma de MI poucos meses antes desta viagem, e, assim, estava mais em clima de comemoração do que de trabalho duro, me fizeram ter uma desempenho medíocre, muito aquém de minhas possibilidades. Por alguma razão que não sei explicar eu só conseguia encontrar verdadeira motivação para sair do bem-bom e me esforçar ao máximo em meus embates contra os GMs, e, assim, em minhas 6 partidas contra as temíveis criaturas portadoras desta invejável sigla, derrotei Walter Arencibia e Silvino García Martinez, empatei com Jesus Nogueiras, Neuris Delgado e Irisberto Herrera e perdi uma das partidas mais absurdas de minha carreira para o GM finlandês Heikki Kallio, após ter tido +6.00 no Fritz em um momento. Já com os MIs dos torneios, a situação foi oposta, com um resultado final de 2 vitórias, 5 empates e 8 derrotas (uma delas para Zambrana, óbvio!). Isso levou os brincalhões locais a me apelidarem de “Robin Hood”, o misericordioso enxadrista que rouba pontos dos GMs para então distribuí-los entre os “pobres”. Os piadistas mais incansáveis eram Quezada, que então era MI e no café da manhã anterior à nossa partida disse em voz alta, quando eu entrei no restaurante: “Opa, o meu ponto chegou!” (sim, e ele me ganhou!), e Neuris, que até hoje tem a cara-de-pau de interromper minhas aulas no ICC só para me perguntar: “Hola, muerto! Cuando vienes a Cuba de nuevo? Necesitamos puntos de Elo!”.

Falando com seriedade, acredito que, ainda que seja óbvio que há uma motivação extra em jogar partidas contra os GMs, a grande razão por trás de meus resultados inconsistentes em geral são os enormes buracos de conhecimento que tenho em meu jogo. Estou sempre jogando a abertura com receio da preparação de meu adversário, e muitas vezes é um alívio obter posições igualadas no meio-jogo até quando estou jogando com as brancas. Estou trabalhando para resolver o problema e estou otimista que o erradicarei, mas será um processo lento porque passo 10 horas de meu dia-a-dia dando aulas e me preocupando intensamente com o treinamento e progresso de meus quase 30 alunos, o que me deixa apenas uma hora por dia, em média, para meu próprio treinamento. Hoje o xadrez de competição não pode ser mais que um hobby para mim. Assim, tendo voltado a jogar há poucos meses, apenas um número pequeno de variantes em meu repertório foram estudadas devidamente, o mesmo a ser dito a respeito de meus finais. O Milos tem me ajudado muito nesse sentido, com seu conhecimento, experiência e sempre reinante sinceridade, que o levou a me dizer em uma de nossas últimas sessões de treinamento que “eu sou um estudante de doutorado que erra em questões do colegial”. Ai.

De fato, a única fase do jogo onde me sinto realmente confortável é o meio-jogo, tanto em posições de jogo posicional e planejamento estratégico como em situações mais taticamente complexas e baseadas em cálculo bruto de variantes, onde afirmo, e me perdoem se isso soa como uma falta de modéstia, que me sinto em casa até contra GMs de 2600. Uma das grandes curiosidades que tenho, hoje, é ver que classe de jogador eu me tornaria se eu preenchesse todos os buracos de conhecimento em meu jogo e estivesse com todos os fundamentos bem trabalhados. Talvez seja bem essa a verdadeira motivação que me levou a voltar a competir mesmo com uma agenda de trabalho tão imprópria para uma presença constante em torneios.

Ontem, pela terceira rodada do Memorial Mário Covas, a Variante Robin Hood voltou a atacar e derrotei pela segunda vez em minha carreira o GM Rafael Leitão, certamente um dos melhores, mais respeitados e mais completos enxadristas da América Latina. Já recebi tantos e-mails após a partida, a maioria com uma mistura de admiração e incredulidade, que estou achando que o Presidente Lula também vai me escrever a qualquer momento, perguntando “o que, você ganhou do Leitão, companheiro??”.

Novamente, me perdoem se isso parece falta de modéstia, mas um resultado isolado como este não me surpreende. Conheço-me bem e estou cansado de saber que, ainda que eu tenha força prática no meio-jogo para vencer ocasionalmente jogadores como Rafael, sei bem que continuarei a perder partidas para ele e para outros menos competentes que ele enquanto os problemas de fundamento de meu jogo não forem resolvidos. Nem mesmo uma norma de GM em algum evento próximo me iludiria: meu verdadeiro objetivo para os próximos anos não é vir a possuir o título de GM, mas poder sentir que eu sou um GM.

Vamos à partida:

Coelho, L (2392) – Leitão, R (2604) – 3ª rodada [Defesa Keres – E00]

1.d4 Nf6 2.c4 e6 3.g3 Bb4+ 4.Bd2 c5 5.Bxb4 cxb4 6.Bg2 0-0 7.e4 d6 8.Ne2 e5 9.0-0 Bg4 10.f3 Be6 11.Qd3 Qb6 12.Kh1 cxd4 13.Nxd4 Nbd7 14.b3 Nc5 15.Qe3 Rfe8 16.Nd2 Nfd7 17.Rfd1 a5 18.Nf1 a4 19.Rab1 axb3 20.axb3 Ne5 21.Qe2 Ra3 22.Ne3 Nc6 23.Ndf5 Rea8 24.Nd5 Bxd5 25.exd5 Ne5 26.f4 Ned3 27.Qe3 Qd8 28.Rxd3 Nxd3 29.Qxd3 Ra1 30.h4 Rxb1+ 31.Qxb1 Qf6 32.Qe4 Kf8 33.Nd4 g6 34.Kh2 Re8 35.Qd3 Ra8 36.Qd2 Ra1 37.Nb5 {tempo} 1-0

Duas surpresas na abertura: em primeiro lugar o lance 3...Bb4+, que imagino que Rafael nunca havia jogado antes, e então 9...Bg4!?, uma novidade teórica do mais alto interesse que, acredito eu, foi encontrada no tabuleiro. Meu pouco conhecimento na variante era baseado nas partidas Beliavsky-Grosar, Portoroz 1996, Grischuk-Yemelin, Sochi 2004, e Bacrot-Fedorchuk, Baden Baden 2007, onde foram usados os lances 9...Nc6, 9...Na6 e 9...Re8, respectivamente, mas em todos estes exemplos as pretas jogaram a abertura lentamente demais, apenas se preocupando com o desenvolvimento de suas peças e deixando as brancas construírem sua posição ideal de meio-jogo sem empecilhos. A idéia de Rafael, em contraste, exige mais do condutor das brancas, já que cria alguns problemas de curto prazo relacionados à defesa dos peões de ‘d4’ e ‘c4’, debilita a diagonal a7-g1 e torna mais trabalhoso o desenvolvimento do meu cavalo de ‘b1’, que só pôde ser desenvolvido no lance 16.

Além de 9...Bg4, os dois lances seguintes de Rafael foram bastante engenhosos: 10...Be6 convida o branco a cometer o erro estratégico 11.d5?, fechando a coluna ‘d’ e permitindo manobra Na6-Nc5 que, de tão típica, é a própria razão de ser de 4...c5. É estrategicamente importante para as brancas que, caso o cavalo negro alcance a casa ‘c5’, a coluna ‘d’ esteja aberta para que o peão isolado de ‘d6’ seja alvo de pressão. Assim sendo, deve-se evitar avançar d5 bem como trocar peões no centro com dxe5; é mais bem-fundamentado esperar ...exd4 por parte das pretas.

Um lance após, 11...Qb6! traz a bonita armadilha tática de 12.c5? dxc5 13.dxe5 Nc6!, com idéia de 14.exf6?? c4+!, ganhando a dama branca. No lance 14, tenho outro problema: ainda não posso desenvolver meu cavalo com 14.Nd2? porque 14...Ne5 ganha o peão de ‘c4’. Tive de jogar 14.b3 e esperar ainda mais um pouco para mover meu combatente eqüino.

Passada a pressão de curto prazo das pretas na abertura, chegamos a um meio-jogo estrategicamente complexo onde o segundo jogador mantém uma certa vantagem de caráter temporário baseada em seu melhor desenvolvimento e atividade de suas peças, enquanto as brancas gozavam de uma vantagem de caráter permanente baseada em seu centro mais forte e estrutura de peões mais sólida. Essa luta de vantagem temporária contra vantagem permanente é uma das mais fascinantes no jogo de xadrez, levando a posições onde triunfará o jogador que fizer a melhor síntese entre tática e estratégia, que compreender mais sutilmente o dinamismo da posição. De uma forma geral, o tempo está sempre a favor de quem possui a vantagem permanente, de forma que seu antagonista precisa jogar sempre com a maior energia possível para impedir a consolidação da posição do jogador que, a longo prazo, tende a ter vantagem.

Um lance muito importante foi 17.Rfd1!, jogado após uma reflexão relativamente longa e com o plano de reagrupamento de peças de Nf1-Rd2-Rad1-Qe2-Ne3, após o que as brancas podem facilmente ficar estrategicamente ganhas. Rafael obviamente compreendeu o problema e buscou contra-jogo imediato no flanco-dama com 17...a5!-18...a4. Este avanço debilita a casa ‘b5’, mas tal enfraquecimento chega a ser um fator secundário porque a posição seguia exigindo, primordialmente, dinamismo no jogo das pretas, para procurar intensificar sua vantagem de curto prazo a ponto de impedir que as brancas tenham tempo de consolidar sua posição. De minha parte, eu me sentia ligeiramente incomodado por perceber que a posição exigia até uma certa lentidão no jogo das brancas, que não poderiam ter sucesso em nenhuma iniciativa sem primeiramente haver terminado seu plano de reagrupamento de peças, mas mantinha minha fé que minha posição era também sólida o suficiente a curto prazo para permitir que eu tenha tempo de terminar de efetuar minha manobra. Dita fé me inspirou a jogar o importante 19.Rab1!, cedendo permanentemente a coluna ‘a’, o que eu não era obrigado a fazer, pela ambição de ter mais chances de ataque em um futuro próximo ao manter o maior número possível de peças no tabuleiro.

A posição crítica então chegou nos lances 22-23, quando Rafael jogou 22...Nc6. Ambos tínhamos apenas cerca de 15 minutos no relógio e o tabuleiro era pura tensão. As pretas ameaçam ganhar o peão de ‘b3’ ao trocar o cavalo branco que o defende, e o natural 23.Nec2 não dá vantagem alguma após 23...Nxd4 24.Nxd4 Rea8, pois as brancas não têm nenhuma chance de ataque no flanco-rei. Avaliei então que, com minha manobra de cavalo finalizada e com as peças pretas quase que exclusivamente concentradas no flanco-dama, havia chegado o momento de tomar atitudes mais concretas e sacrificar o peão de ‘b3’ para atacar o flanco-rei e, assim, joguei o lance mais importante da partida, 23.Ndf5!, sem dúvida o único que dá vantagem às brancas. Neste instante o peão de ‘b3’ está envenenado: se 23...Rxb3? 24.Rxb3 Nxb3 25.Qb2! Bxf5 26.Nxf5, ganhando peça. Já 23...Nxb3? perderia qualidade após 24.Qb2 f6 25.Nxd6 Rd8 26.Nb5! Rxd1+ 27.Rxd1. Rafael então resolveu corretamente adiar a captura de material e seguir fortalecendo sua posição dobrando as torres na coluna ‘a’ com o preciso 23...Rea8!, e aqui, sentindo que já tinha vantagem, tive outra decisão difícil entre jogar 24.Rxd6 Rxb3 25.Rad1 com idéia de f4-e5 ou jogar 24.Nd5 Bxd5 25.exd5 Ne5 26.f4 Ng6 27.h4!, onde as negras também me pareciam estar sob séria pressão devido à ameaça branca de Qg4-h5. Ambos os lances me pareciam igualmente bons, eu não conseguia me decidir e, como o relógio já acusava menos de 10 minutos e eu já estou farto de pendurar peça por ter menos de 1 minuto no relógio, tomei minha decisão o mais rápido que pude usando um método cientificamente comprovado: joguei mentalmente uma moeda pra cima. Se desse cara, jogaria 24.Rxd6, se desse coroa, jogaria 24.Nd5. Deu coroa.

E qual não foi minha surpresa ao ver Rafael jogando o sacrifício 26...Ned3?, que na verdade foi seu pior lance na partida e, talvez, um de seus piores nos últimos anos. Também com pouco tempo disponível, ele havia passado alguns minutos calculando a perigosíssima continuação 27.Rxd3 Nxd3 28.Qxd3 Ra1, com idéia de 29...Qf2, onde as brancas têm problemas sérios para defender suas duas primeiras filas. Em resposta a seu lance 26, contudo, joguei após 1 minuto o lance 27.Qe3!, cravando o cavalo de ‘c5’ e ameaçando ganhar peça com 28.Rxd3. Rafael confessou após a partida não ter visto este lance, e aqui jogou 27...Qd8 preparado para perder uma peça após o simples 29.Bf1, um lance óbvio que eu simplesmente não vi. Acredito que se eu tivesse parado pra pensar por um minuto eu teria encontrado, mas eu estava muito preocupado com o tempo e respondi 27...Qd8 imediatamente com 28.Rxd3, o que garante às brancas um final tecnicamente ganho de duas peças menores contra torre. Para meu alívio, ao analisar a partida em casa vi que 28.Bf1 na verdade não ganha peça por 28...Nf2+! 29.Qxf2 Ne4 seguido de 30...Nc3, capturando uma das torres brancas e mantendo o mesmo balanço material existente na partida.

No final, jogado por ambos a ritmo relâmpago, foi importante o lance 30.h4!, criando uma potencial rota de fuga para meu rei via ‘h2’ e, se necessário, ‘h3’, e então 32.Qe4!, garantindo a casa ‘d4’ para meu cavalo. O toque final foi a manobra 36.Qd2!-37.Nb5, após o que as negras perdem o peão de ‘b4’ e a partida. No lance trinta e sete Rafael se preparava para jogar 37...Qe7 mas aparentemente viu, faltando cerca de 3 ou 4 segundos, que este lance perderia imediatamente para 38.Qb2, ameaçando mate e a torre. Já não lhe sobrava tempo para criar nenhuma outra idéia, e após hesitar por 2 segundos ele acabou jogando a dama em ‘e7’ na mesma fração de segundo que seu tempo se esgotava. Derrota por tempo em uma posição perdida, a exemplo de minha queda diante dele há um ano no Mário Covas 2007.

Como última nota, há que se ressaltar a educação de Rafael, que sempre faz análises post-mortem com qualquer adversário, qualquer que seja o resultado. Eu procuro fazer o mesmo, mas sabemos que às vezes é difícil, especialmente quando a principal razão de uma derrota é uma pendurada. Há pouco mais de um mês, na Bolívia, eu tinha uma posição de +10.00 no Fritz contra um MF local que não abandonava a partida pela mais pura fé que o Universo lhe enviaria um milagre. Ele então resolve fazer um lance cuja única idéia desesperada é ameaçar mate em 1. Eu não vi. Levei mate, e ainda o fiz escutando meu adversário gritando “Mate!! Que suerte!!”. Perguntem-me se lhe estendi a mão e quanto tempo demorou pra eu me retirar do salão de jogos.

O DESEMPENHO COMPETENTE

Por Carlos Cavallo

Diz-se que certa vez se lhe perguntou a Capablanca quantas jogadas via ao que o grande mestre cubano contestou, para assombro geral: "uma", para depois acrescentar, "mas sempre a melhor".

A referência a esta anedota tem o valor de antecipar em anos o resultado de investigações sobre o pensamento experiente no âmbito do xadrez. Estudos sobre o desenvolvimento cognitivo, em sua preocupação por detectar os processos psíquicos subjacentes à atividade de pensamento, levaram a cabo importantes investigações sobre como se adquire e se mantém a capacidade de pensar bem, com o objetivo manifesto de converter as pessoas em pensadores competentes.

Sem importar a área de conhecimentos com que tratam, e independentemente de seu nível evolutivo ou condição social, sustentam que o cultivo destas habilidades do pensamento conduz a uma aprendizagem exitosa, em todas as idades e para todas as matérias. Por isso asseveram que toda teoria sobre um ensino adequado deve ter ao menos alguma noção do que fazem aquelas pessoas que se definem como experientes em seu campo de atuação quando pensam ou resolvem problemas.

Em seu afã por pesquisar o comportamento dos experientes quando se enfrentam a situações e problemas que correspondem a suas áreas de atuação e contrastá-lo com o de indivíduos menos hábeis, o psicólogo holandês Adrián de Groot (1965) estudou o desempenho dos mestres de xadrez, com relação a jogadores menos fortes, mas de bom nível de jogo, quando se encontram na situação de ter que eleger as melhores jogadas.

A idéia motriz desta investigação era que os mestres de xadrez deviam escolher, numa partida, aqueles movimentos que os ajudavam a ganhar, e que a seleção destes movimentos implicava em complexas tomadas de decisão, complexidade no sentido de que o percurso total da variante não era visível, psiquicamente falando.

Partia-se do pressuposto de que os mestres faziam melhores movimentos que os jogadores menos hábeis, o que era óbvio, e que podiam ver mais e mais longe, e analisar com maior precisão as conseqüências de cada potencial jogada.

Explorou suas hipóteses de trabalho apresentando aos jogadores partidas de xadrez e pedindo-lhes que elegessem os melhores movimentos, assim como que pensassem em voz alta enquanto consideravam as diversas possibilidades.

Os resultados do experimento não corroboraram, em sua totalidade, suas hipóteses iniciais. O pensamento dos mestres se manifestava qualitativamente superior, mas não quantitativamente. Não pensavam mais jogadas do que os jogadores menos hábeis, nem embarcavam em longas análises para cada jogada, simplesmente se lhes ocorriam as melhores jogadas.

Como se explicava isso? De Groot pensou que os mestres tinham desenvolvido e possuíam uma base de conhecimentos que lhes facilitava o reconhecimento das posições e lhes permitia perceber rapidamente os pontos fortes e débeis das mesmas e atuar em conseqüência.

Para provar esta idéia de que as percepções dos mestres eram mais ricas e estruturadas, o que lhes facilitava o reconhecimento das peculiaridades das estruturas ou esquemas do jogo, De Groot mostrou a mestres e jogadores de menor força partidas de xadrez durante cinco segundos e depois lhes pediu que reproduzissem a localização das peças com a maior precisão possível. Os resultados nestas tarefas de cor de curto prazo mostraram um alto rendimento nos mestres, enquanto os jogadores menos hábeis encontravam dificuldades.

No entanto, em novos experimentos com peças colocadas em forma dispersa, sem ordem nem lógica, os mestres não puderam repetir o rendimento anterior e não puderam lembrar melhor do que os jogadores de menor nível onde estavam colocadas as peças. A superioridade anteriormente demonstrada não se fundava na capacidade de sua memória de curto prazo, mas sim, como se evidenciava, nos esquemas ou estruturas significativas que constituíam sua base de conhecimento, e que não lhes serviam para reconhecer peças colocadas a esmo.

Isto é, a capacidade de recordar dependia fundamentalmente da natureza e qualidade da informação que previamente tinham adquirido. Quando essa informação estava em correspondência com os requerimentos da tarefa, constituía-se numa ferramenta adequada para determinar os aspectos relevantes da mesma e guiava eficazmente suas estratégias de ação.

Em linhas gerais e sobre a base de outros estudos em diferentes domínios de conhecimento, pôde-se caracterizar o comportamento experiente por:

1) a aptidão para o reconhecimento de esquemas ou estruturas significativas de um modo relativamente automático, o que implica imposição de sentido às configurações.

2) o modo de organizar o próprio conhecimento sobre a base de princípios de alto nível de generalidade ou abstração.

3) a capacidade de controlar e regular o próprio pensamento.

4) poder julgar com precisão e de forma realista o grau de dificuldade ao qual se está enfrentando.

5) poder avaliar seus progressos e predizer os resultados de sua atividade.

6) aceitar o desafio de abordar situações difíceis que implicam no risco de fracasso e que outros não assumiriam.

Veremos como estas habilidades gerais do pensamento experiente se vislumbram na seguinte partida, através dos comentários de um de seus contendores, e como, sobre a base deste pensamento, as estratégias e conceitos fundamentais do xadrez se manifestam no jogo. Isso implica que estas habilidades podem ser ensinadas dentro do seio de uma disciplina, o que assegura que algo valioso pode ser aprendido, ao mesmo tempo em que se propõe um ensino de alto nível para o conteúdo especifico de que se trata, neste caso o xadrez.

Primeira partida do match pelo campeonato do mundo entre M. Tal e M. Botvinnik, Jogada em Moscou no ano 1960. Comentários M Tal.

Tal, Mihail - Botvinnik, Mikhail [C18 – Defesa Francesa]

World Championship 23th Moscow (1), 15.03.1960

No período preparatório não nos ocupamos de qual seria minha jogada inicial na primeira partida. Em Belgrado, no ato de encerramento do V Torneio de Candidatos, o locutor me havia perguntado a respeito do primeiro movimento em caso de sair com brancas. Sem titubear lhe prometi sair de Peão do Rei Naturalmente não queria faltar a minha palavra sem razão valida, além de que 1. P4R não é má jogada.

1.e4 e6

Durante minha preparação, não descartei, de forma alguma, a possibilidade que se me propusesse esta defesa. A última defesa francesa de interesse teórico foi a jogada entre Gligoric e Petrosian no Torneio de Candidatos de 1959, e nela as brancas obtiveram vantagem na abertura. Naturalmente tinha examinado dita partida. Mas, ao que parece, Botvinnik também tinha estudado a partida em questão, de maneira que desde o primeiro momento foi travado uma espécie de original duelo psicológico. Antes de efetuar minha segunda jogada, me demorei um minuto tratando de recordar as muitas ramificações desta abertura, não sabendo por qual delas se inclinaria meu adversário.

2.d4 d5 3.Cc3 Bb4

Na variante escolhida por Botvinnik, as negras se desprendem de seu bispo negro, o que debilita bastante o flanco do rei, mas a título de persistente compensação exercem contínua pressão sobre a comprometida posição do branco na ala oposta. As muitas partidas jogadas seguindo esta variante demonstraram que se as brancas demoram em apoderar-se da iniciativa ficam com graves debilidades que se irão pondo de manifesto. Por isso, atualmente nesta variante as brancas tentam forçar a marcha dos acontecimentos a fim de impedir a estabilização das forças do adversário.

4.e5 c5 5.a3 Bxc3+

Botvinnik escolhe a continuação que já tinha merecido anteriormente sua aprovação. Resulta interessante observar que em seu encontro de 1954 com Smyslov várias vezes preferiu retirar seu bispo a "a5".

6.bxc3 Dc7

Parece mais elástica 6...,Ce7 porque ao CR lhe corresponde desenvolver-se precisamente por este caminho, enquanto a dama negra poderia ocupar ocasionalmente a casa a5, para transladar-se depois a a4.

7.Dg4

Nada novo sob o sol. As brancas ameaçam destroçar o flanco do rei adversário. 7...f5 Agora fica claro ao que se propunham as negras com sua sexta jogada: o peão de "g7" ficou defendido. Em vista que se 8.exf6 a.p., Cxf6 não faria mais do que confirmar a tese que figura em todos os manuais a respeito dos inconvenientes de desenvolver a dama (prematuramente) no começo da partida, as brancas, naturalmente, continuaram com:

8.Dg3 Ce7

Com esta última jogada, as negras sublinham que não lhes assusta a perdida do peão de "g7". [Para evitá-lo, seria possível proceder na prévia liquidação no centro mediante 8...cxd4 9.cxd4 e só então jogar 9...Ce7 porque 10.Dxg7?? seria castigado com (Na partida Resehewsky- Botvinnik (1948), as brancas continuaram 10.Bd2 0-0 11.Bd3 b6 12.Ce2 Ba6 13.Cf4 e obtiveram boa posição de ataque.) 10...Tg8 11.Dxh7 Dc3+]

9.Dxg7

Smyslov em sua 14ª partida do encontro com Botvinnik renunciou às complicações e preferiu 9.Bd2. Estou convicto de que as brancas se querem atingir alguma vantagem na abertura, jamais devem desperdiçar a oportunidade de criar posições de caráter agudo com recíprocos compromissos, já que são as que sempre tem mais fundamentos.

9...Tg8 10.Dxh7 cxd4 11.Rd1!?

Há uns 20 anos atrás, um comentarista de partidas de xadrez teria estremecido horrorizado diante de semelhante jogada. O rei branco parte em viagem voluntária, mal começada a partida. As brancas preferem ocultar seus propósitos e não revelar como pensam manobrar com o cavalo, reservando-se a possibilidade de situá-lo em e2 ou em f3. Pelo momento, a perda do roque não tem importância, em primeiro lugar porque as peças inimigas ainda não estão suficientemente desenvolvidas, como também por ser bastante incomoda a situação do monarca negro em seu precário refúgio.

11...Bd7

Jogada muito avessa mediante a qual se apressam a tirar proveito da potencialidade de sua dama localizada em 2AD, pondo-se assim de manifesto a comprometida situação do rei branco. [Pelo que recordo, a única partida onde se provou 11.Rd1 (já recomendada por Euwe) foi na partida Gligoric-Petrosian. O GM russo escolheu um caminho que lhe pareceu muito reto: 11...Cbc6 12.Cf3 Cxe5, mas depois da forte réplica 13.Bg5 encontrou-se em posição muito difícil, já que 13...Cxf3 falha por causa de 14.Bb5+! A possibilidade de reforçar o jogo das negras não escapou a clara visão analítica de Botvinnik]

12.Dh5+

Dessa maneira, é fácil compreender que com 11..., Bd7 se perseguem dois fins: o estratégico, ao contribuir com o desenvolvimento geral das peças e preparando o roque grande, bem como o tático, pelo qual se dirige uma ameaça contra o ponto c2 do adversário. Para não se ver submetidas a violentíssimo ataque, as brancas tem de despregar a máxima atividade. Existem razões para proceder assim. Com sua jogada 7..., f5, as negras se liberaram do compromisso de defender seu peão em f7, cuja ingrata tutela incumbia em parte ao monarca negro. Mas, por outra parte, debilitaram-se na diagonal e8-h5, ficando o rei desprotegido e as peças negras que se encontram em dita diagonal já não poderão contar com o apoio material de um peão. Também temos de atentarmos para o fato de que a dama branca se acha em condições de regressar a tempo a seu "país natal". [Se as brancas jogassem agora 12.Cf3 seguiria 12...Ba4 13.Bd3 Dxc3 e se encontrariam em situação crítica.; Por outro lado a 12.Ce2 as negras possivelmente continuariam também 12...Ba4 com a desagradável ameaça de 13..., d3]

12...Cg6

Com a jogada do texto, as negras lançam um "bola de sondagem" para saber se as brancas estão dispostas ao empate mediante 13.Dh7, Ce7; 14.Dh5+, etc. [Contra 12...Rd8 pensava continuar com 13.Bg5]

13.Ce2

Bem se compreende que a aceitação do empate teria sido uma derrota do espírito criador. Teria significado reconhecer o desconcerto diante da primeira inovação apresentada pelo adversário. A última jogada das brancas foi ditada pela intenção de aproveitar a cravada. Por enquanto se ameaça 14. Cf4 e a 14..., Rf7 calmamente 15. Bd3 ou prosseguir agressivamente com 15. g4. Agora as negras devem preocupar-se por seu rei. Nesta posição, Botvinnik esteve pensando mais de meia hora, do que se pode inferir que em suas análises de laboratório não tinha chegado a descobrir todas as sutilezas da variante. Botvinnik escolhe a melhor continuação e sacrifica outro peão.

13...d3!

[Não podiam satisfazer às negras as continuações 13...Dxe5 14.cxd4; ou 13...dxc3 14.Cf4 Rf7 15.Bd3 com uma série de desagradáveis ameaças. Por exemplo: 15...Cc6 16.Bxf5 exf5 17.e6+ Bxe6 18.Dh7+ Tg7 19.Dxg7+!; A retilínea continuação 13...Ba4 se presta a seguinte objeção: 14.Cf4 Dxc3 15.Bd3 Dxa1 16.Cxg6 Cc6 17.Cf4+ (mais forte do que a que considerei durante a partida: 17.Ce7+ Rd7 18.Cxg8 Txg8 com possibilidades aproximadamente iguais) ; Por outra parte, nada resolvia 13...Cc6 14.cxd4 Tc8 15.Ta2]

14.Cxd3

A resposta é forçada.

14...Ba4+?!

Ainda que pareça estranho esta jogada natural não é boa. O rei branco encontra em sua casa de origem refúgio mais seguro. [14...Cc6! simplesmente, seguido de 0-0-0 teria proposto às brancas problemas bem mais difíceis. Em tal caso, as negras obtinham muito efetiva compensação pelos dois peões sacrificados]

15.Re1 Dxe5?!

Lógico o afã de recuperar parte do material perdido, mas a jogada do texto implica desperdiçar demasiados tempos. [Mais em consonância com o plano seguido pelas negras teria sido 15...Cc6!? , ainda que isso já não seja tão forte, porque as brancas podem continuar com 16.f4 0-0-0 17.Bd2+/- , liberando depois as peças do flanco rei. Cedo ou tarde, as negras se veriam obrigadas a sacrificar seu cavalo em e5. Resulta difícil prever mais longínquos acontecimentos, mas as negras, em todo caso, teriam se apoderado da iniciativa]

16.Bg5!

Agora o principal problema das brancas é reter o rei negro no centro, já que poderiam ser criadas sérias ameaças na coluna do rei aberta.

16...Cc6 17.d4 Dc7 18.h4!+/-

Para por rapidamente em jogo a TR, em vista dos acontecimentos que estão a ponto de desenvolver-se no centro.

18...e5 19.Th3!+/- Df7 20.dxe5 Ccxe5 21.Te3 Rd7 22.Tb1 b6

Não é fácil intuir como, estando a dama em h5, possa significar algo o debilitamento da casa a6. E, no entanto, é assim!

23.Cf4

As peças brancas se desenroscam como um oculto fole.

23...Tae8 24.Tb4! Bc6 25.Dd1!

Chegou-se a uma situação bastante pitoresca. O rei e a dama das brancas, depois de tantas viagens, voltam a estar em suas casas de origem. O BR ainda não jogou. No entanto, a situação das negras é penosa. As brancas não só dispõem da vantagem de um peão saudável, senão que todas suas peças ocupam lugares ativos. A dama, especialmente, controla o centro de um modo muito eficaz.

25...Cxf4 26.Txf4 Cg6 27.Td4 Txe3+ 28.Fxe3

Não convém afastar o bispo de uma posição ativa. Em caso de necessidade, o peão em e3 poderá escudar ao rei.

28...Rc7 29.c4 dxc4

Conduz necessariamente a ganho de material. [A 29...Ce7 30.cxd5 Bxd5 31.Bxe7 Dxe7 32.Dc1+ Sem conceder nenhuma possibilidade]

30.Bxc4 Dg7 31.Bxg8 Dxg8 32.H5

O peão passado começa a atuar. Por este motivo, as negras abandonaram. 1-0