domingo, 31 de maio de 2009

ADÃO - Um conto de ficção científica

Ano 2130, os robôs fazem parte do cotidiano das pessoas. A busca incessante pela inteligência artificial alavancou a produção tecnológica de tal forma que 95% da população mundial tinham algum robô em sua casa ou em seu corpo. O começo foi com órgãos artificiais implantados, máquinas controladas pelos pulsos cerebrais. Depois vieram os primeiros robôs autônomos que seguiam uma lógica pré-definida. Vieram os robôs que aprendiam, moldando sua lógica conforme sua experiência. Até que veio um robô chamado Mark.

A FIDE (Federação Internacional de Xadrez) adotara regras cada vez mais rígidas, pois houve inúmeras fraudes relacionadas às máquinas. Os campeonatos mundiais exigiam a ausência total de computadores e robôs no ambiente de jogo. Como um cérebro artificial nunca funcionou em um humano até o momento, a cabeça era escaneada para verificar se não havia ali um processador ao invés do órgão. Não que a diferença entre um humano e um robô não pudesse ser notada de cara, porém o procedimento já era utilizado prevendo novidades.

Mark era um invento secreto do CPM (Conselho Político Mundial), um robô único, o primeiro com um cérebro artificial idêntico a um humano. Em sua memória fora gravado a simulação de reações humanas a fatos, desde uma coceira no nariz se houvesse algo o irritando, até sorrisos com o êxito. Externamente seu corpo era idêntico a um humano, era aquecido a 36 graus, e o sistema de resfriamento era igual ao humano, o suor. Seu sistema se alimentava como os humanos e ele tinha baterias com autonomia para meses sem alimento.

Mark também aprendia como os outros, porém, não tinha as limitações que o impedia de tomar decisões prejudiciais aos humanos, programa comum nos robôs. Seus criadores instalaram nele um dispositivo remoto que desativaria seu cérebro caso necessário. Ele fora submetido a uma série de situações cotidianas, foi com cuidado integrado à sociedade como um humano.

Depois de dois anos vivendo como homem, Mark havia aprendido inúmeras coisas com sua curiosidade aguçada. Mesmo não tendo o programa para ser inofensivo aos humanos, não havia nenhum registro de agressividade ou animosidade. Ele ficara mais gentil e sorridente com o tempo, surpreendeu os técnicos da CPM quando resolveu comprar um cachorro e fez alguns amigos, em geral vizinhos de sua casa numa rua de classe média de Los Angeles.

Mark arrumara emprego em uma loja de roupas masculinas. Foi promovido em 6 meses, pois rapidamente se tornara o funcionário mais capaz da loja. A elegância com que se vestia e vestia os outros chegava a intrigar, afinal sua memória original não tinha nada sobre isso. Nas folgas ele aprendeu a jogar xadrez, freqüentando os Shoppings Center da cidade, local aonde enxadristas se reuniam para jogar. Com o tempo ele passou a ser um dos melhores jogadores. Os outros o encorajavam a participar de um campeonato da FIDE, pois seu xadrez era muito bom.

Porém Mark achava injusto sendo um robô, participar como homem. Ele sabia das regras que a FIDE impunha aos inscritos, restringindo o uso de máquinas de qualquer espécie. Mas o xadrez era o início do auto-questionamento em relação a sua existência. Poderia ser ele um novo humano, um novo ser que habitaria a terra em conjunto com os homens? Ele não pensava como um robô, os robôs eram totalmente dependentes de comandos, se ocorresse algo diferente do seu entendimento eles simplesmente paravam estáticos até que um humano os orientasse. Ele não, ele era independente. Ele sentia tristeza por não ser um homem, sentia um vazio existencial, sentia medo de falhar e ser desativado. Por isso procurava sempre ser gentil, sempre obedecer às leis humanas.

Com o tempo Mark passou a buscar novos desafios no xadrez, afinal ninguém iria puni-lo por ganhar, no tabuleiro ele não tinha medo, não sentia tristeza. Tomou a decisão de sua existência inscrevendo-se no torneio estadual. Era recheado de jovens estudantes que não foram páreo para ele em nenhum momento. Venceu todas as partidas que disputou e chamou a atenção dos dirigentes da FIDE que o convidaram para participar do campeonato mundial em Nova York.

Mark pediu licença de uma semana no trabalho para participar do torneio que contaria com grandes mestres do mundo todo. Ele participou das seletivas com os campeões regionais alcançando a fase final. Venceu 18 partidas de vinte a serem disputadas, empatou uma e jogaria contra o russo Pavlov o maior mestre em atividade, que tinha vencido as 19 partidas que disputou.

O jogo foi fantástico, a multidão de pessoas assistindo olhavam maravilhadas para aquele novo mestre enfrentando o maior deles. O fim de jogo foi com torre e dois peões para cada um. Mark com as pretas, estava encurralado pelo rei e peões de Pavlov que tentava de todo jeito com sua torre dar o mate. As combinações aconteceram e era o último lance de Pavlov. Ele devia mover a torre até c8 dando enfim o mate em Mark.

Porém, na hora de mexer a peça, Pavlov tocara antes em seu rei sem a intenção de movê-lo. Um movimento do rei inverteria o jogo e deixaria Mark a duas jogadas do mate. Pavlov olhou para Mark com semblante receoso, olhou para o juiz que indicou que o rei deveria ser movimentado. No momento em que Pavlov movia sua mão até o rei, Mark derrubou o seu desistindo da partida. Pavlov com um sorriso aprovou a atitude e estendeu a mão para cumprimentar Mark que esquecera que era um robô e aceitou a derrota como humano.

Ali ficou claro para ele seu papel na existência, era mostrar a humanidade o quanto suas máquinas eram humanas, passíveis de erro e dignas de respeito.

Mark pediu sua desclassificação do campeonato aos juízes alegando que trapaceou. Fora questionado sobre sua trapaça.

- Utilizei uma máquina para jogar, devo ser desclassificado.
- Mas como? Todos foram escaneados, que máquina você utilizou? –
questionou um dos juízes.
- Eu.
- Você?
- Sim, sou um robô.
- Impossível!
- Sim, sou um robô da CPM, um projeto secreto.

Naquele instante ele fora desativado pela CPM, o que pareceu um desmaio às pessoas. O vice-campeonato foi confirmado para aquele mestre de passagem tão meteórica pelo xadrez. Suas últimas palavras foram desconsideradas pois técnicos envolvidos em seu projeto passaram por médicos atribuindo o fato a um devaneio momentâneo aos juízes. Ele foi declarado oficialmente morto como homem, Mark, o Adão.

Autor: Igor Rykovski, São Paulo/SP - Brasil, 29 anos, Escritor Semi-profissional

Este conto foi igualmente publicado por José Feldman, em Singrando Horizontes, com a inclusão do quadro O quadro The Game (O Jogo) pertencente a Henryette Weijmar Schultz, retirado de Ala de Rei.

(by Mario Vaz)

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